guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 15
O destino conduz as pessoas, e pode até separá-las fisicamente. Porém, a
solidez da afeição verdadeira, Deus eterniza.
Com minha Mãe e meu Pai, aprendi importantes lições de vida, que eles
souberam ensinar-me com generosa sabedoria.
“Contar é muito, muito dificultoso”, disse Riobaldo, jagunço dos
Campos Gerais, Mestre-Narrador, e personagem de Guimarães Rosa.
Gostaria de contar-lhes um abreviado da vida de meu Pai, embora ache
isto muito dificultoso, porque falarei com o coração; e quando se fala com o
coração, a interferência da saudade é um desafio à própria sensibilidade. Mas,
como saudadear é trazer para perto os entes queridos que se encontram longe
de nós, eu tentarei.
O infindável fio da vida entrepreende os homens na travessia das épocas.
O escritor percebe e reconta, olhando o fio, desenovelando-o, tecendo tramas,
rebordando tapeçarias finas. É o seu encargo.
Um homem é a soma dos seus acertos e de seus defeitos. E, muito
especialmente, é a síntese dos amores que o dominaram, dos amores a que
dominou. Das tendências que seguiu, dos rumos que desenhou.
Afirmações e negações, alternativas e escolhas, o homem se define nos
dias de sua vida. Assim se mede a sua estatura, assim se mede a estatura de
meu Pai.
Terra e tempo deixam marcas na estruturação interior de cada um de nós.
Cordisburgo, antes chamada Vista Alegre, foi uma primeira influência telúrica,
definitiva, não mais esquecida por ele. Não deixou dissolverem-se as
lembranças das suas primeiras visões do mundo, em comovente fidelidade ao
lugar pequenino onde nasceu. Primeira e última palavra do seu discurso de
Posse, na Academia Brasileira de Letras, três dias antes que a sua mão
descansasse de escrever, está nos seus livros como esteve em sua vida: relembrada
docemente, luminosa permanência na memória.
Cordisburgo, as três Igrejas abençoadas pela vastidão de um céu quase
sempre azul. A singela estação. Casas bonitas e belas fazendas, com o gado
pastando nos pitorescos campos. Os buritis, as árvores e as flores. Tudo muito
pincelado pelos pictóricos tons da poesia.
Desde os tempos do Padre João de Santo Antonio, de origem alemã,
fundador da cidadezinha, batizando-a com o nome que originalmente significa:
– Cordis: coração; Burgo: cidade – Cordisburgo: cidade do coração.
O amanhecer de Joãozito – como era chamado pela família – aconteceu
no dia 27 de junho de 1908.