15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Permanência <strong>de</strong> Cecília ________________________________________________________ Pe. Paschoal Rangel 135<br />

Esse tipo <strong>de</strong> conhecimento poético nos livra da ditadura da razão iluminista,<br />

que se mancomuna com a civilização tecnológica, robotiza o homem, e o<br />

submete à lógica do utilitarismo e da eficiência. Assim, a “função da poesia”<br />

será, hoje mais que em outras épocas, mostrar ao homem mo<strong>de</strong>rno que nem<br />

tudo é eficiência mecânica ou econômica, po<strong>de</strong>r e administração. “Há mais<br />

coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.” “Para isso tudo é<br />

que serve a poesia” – conclui Cassiano Ricardo.<br />

Talvez nosso Cassiano não tenha percebido que estava caindo no buraco<br />

que ele mesmo cavara para Cocteau, pois querer justificar a existência da<br />

poesia mostrando que ela tem a “função” disso ou daquilo na socieda<strong>de</strong>, é<br />

tombar no utilitarismo, na lógica da eficiência. A poesia tem, <strong>de</strong> fato, esse<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> libertação, mas não é isso que a legitima e a torna indispensável. Sua<br />

indispensabilida<strong>de</strong> vem <strong>de</strong> ela fazer parte do ser do homem. O homem não<br />

po<strong>de</strong> existir sem ela. Se alguém pega um livro <strong>de</strong> Cecília e começa a ler seus<br />

poemas – percebe logo que estão ali suas raízes. Que ali ele se nutre <strong>de</strong> sua<br />

própria seiva. Ele não saberá talvez explicar o que está acontecendo, mas sente<br />

que é isto que está acontecendo. É um exercício daquilo que Pascal chamou um<br />

dia “la logique du coeur”. E é por isso que Maiakovski lembrava que há na<br />

socieda<strong>de</strong> problemas que só po<strong>de</strong>rão ser resolvidos poeticamente.(4)<br />

Cecília era, antes <strong>de</strong> tudo, Poesia – disse eu no princípio <strong>de</strong>ste estudo.<br />

Por isso, quando entrava em estado poético (se é que alguma vez saía<br />

<strong>de</strong>le), ficava-lhe difícil escrever sobre temas sociais, sobretudo fazer da poesia<br />

uma espécie <strong>de</strong> tribuna, como alguns poetas fizeram – com inegável e<br />

dificilmente explicável arte. Seria o caso <strong>de</strong> Castro Alves ou Ferreira Gullar.<br />

Como, por outro lado, ela era uma educadora nata, foi professora na Escola<br />

Normal do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong>pois na Universida<strong>de</strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Rio) e,<br />

durante três ou quatro anos, escreveu seguidamente, no Diário <strong>de</strong> Notícias<br />

(1930-1934), sobre o ensino e seus problemas, artigos até mesmo polêmicos,<br />

viveu íntimos conflitos, por não ser um poeta “participante”. Certa vez,<br />

admitiu, “respon<strong>de</strong>ndo a um curioso”, como escreveu, meio irritado, Carlos<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ser seu principal <strong>de</strong>feito “uma certa ausência do<br />

mundo”.<br />

Seria, <strong>de</strong> fato, um <strong>de</strong>feito? (Andam dizendo mais ou menos a mesma<br />

coisa <strong>de</strong> Alphonsus <strong>de</strong> Guimaraens. Já tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a essa<br />

questão, a propósito <strong>de</strong> Alphonsus, por ocasião – se não me engano – do<br />

cinqüentenário <strong>de</strong> sua morte.) Ou o simples fato <strong>de</strong> ser poeta <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, com a<br />

profun<strong>de</strong>za com que o foi Cecília, já é uma forma <strong>de</strong> presença e participação?<br />

A poesia po<strong>de</strong> mudar o mundo, sem precisar <strong>de</strong> mais nada senão <strong>de</strong>la mesma.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!