guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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134 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
isso – era esse seu parecer – naquele ano, a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>de</strong>via realçar a<br />
homenagem, não distribuindo segundo prêmio nem menção hon<strong>rosa</strong> aos <strong>de</strong>mais<br />
candidatos. “Eles [os concorrentes] serão suficientemente poetas para compreen<strong>de</strong>r<br />
e admirar o valor solitário <strong>de</strong> Cecília Meireles, <strong>de</strong>ixando – a que cante<br />
sozinha.” Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> aplaudiu o voto em artigo em que dizia que “a<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> acabava <strong>de</strong> ser premiada por Cecília Meireles”. (2)<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> era outro encantado com a poeta. Num<br />
dos epigramas que andava publicando na época, na imprensa, sob a epígrafe<br />
“Fotos ¾ <strong>de</strong> ontem”, <strong>de</strong>ixou este retrato <strong>de</strong>la:<br />
CECÍLIA MEIRELES.<br />
Existe. Que presente <strong>de</strong> Deus!<br />
E na orelha da Seleta em P<strong>rosa</strong> e Verso <strong>de</strong> Cecília Meireles, ele registrou<br />
esta nota <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> poética: ela “não me parecia uma criatura<br />
inquestionavelmente real”.<br />
Há coisas no verda<strong>de</strong>iro poeta, como na verda<strong>de</strong>ira poesia, que gozam <strong>de</strong><br />
uma semi-realida<strong>de</strong> meio mágica. E é isto que faz <strong>de</strong>les seres simultaneamente<br />
“inúteis” e “indispensáveis” e levou Jean Cocteau a afirmar: “Je sais que la<br />
poésie est indispensable. Mais je ne sais pas à quoi” (Eu sei que a poesia é<br />
indispensável. Mas não sei para quê.”) Sem poesia, o mundo fica inabitável.<br />
Não sei por quê, mas fica.<br />
Por isso mesmo, Cecília não po<strong>de</strong> passar, virar sombra, ser esquecida.<br />
Justifiquemos, porém, melhor esta afirmação.<br />
2.<br />
Cassiano Ricardo comenta longamente a frase <strong>de</strong> Cocteau em Viagem no<br />
Tempo e no Espaço – Memórias (3), mas está longe <strong>de</strong> concordar com ela.<br />
Chegou mesmo a escrever um estudo sobre “A Função da Poesia”. Para ele, a<br />
poesia é um instrumento <strong>de</strong> investigação tão válido quanto o instrumento<br />
lógico. Certamente, diríamos nós, a poesia tem uma relação íntima com a<br />
intuição, com uma espécie <strong>de</strong> conhecimento por “simpatia”. Dizemos<br />
“simpatia” no sentido etimológico, ou seja, conhecer assim é como ser<br />
“tocado”, quase “ferido” pela realida<strong>de</strong>, pela coisa (res = a coisa), não através<br />
da imagem figurativa, mas através <strong>de</strong> um “pathos”, uma “paixão”, um quase<br />
“sofrimento”, que nos faz “entir” as coisas como que penetrando em nós,<br />
empaticamente.