guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

148 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS
tecendo (tecendo mesmo) o tapete do poema, tapete que se completa com o
gesto “de mãos dadas”.
O poema termina com um pensamento belíssimo e cheio de paz:
Chegaremos de mãos dadas
cantando canções de roda.
E então nossa vida toda
será de coisas amadas
A esperança é de chegar ao “divino mundo”, em que “o amor eterno
mora”; de escapar à penúria do tempo de agora. Aí a alma é um ser encantado,
sonho de rosa dentro da aurora.
Poder sonhar assim por alguns momentos nos refaz de todas as feridas. E
isso é um mimo da Poesia. Dessa “Poesia”, que Cecília, como Tagore, e alguns
outros abençoados encantados encantadores viveram e nos podem ajudar a
viver.
A “magia”, a “vaga música”, a “viagem” de Cecília Meireles têm um
poder de “ressurreição” para aqueles que entram no seu clima. Mais
profundamente do que isso, atingindo um nível que vai muito além do puro
psiquismo, a Poesia pode abrir caminho para experiências autenticamente
espirituais, como aconteceu com Tagore e espero tenha acontecido também
com Cecília, quando ela se rende ao encantamento do poeta, traçando-lhe o
retrato:
“O que eu vi é insuperável – seja esta, quando eu partir daqui, a minha
palavra de adeus.”
E que foi que ele viu? Mais que ver, ele fez a experiência do
sobrenatural: “Eu provei o mel secreto desse lótus que viceja no oceano da luz
e, por isso, fui abençoado. Seja esta minha palavra de adeus.” E acrescenta: “O
meu corpo e os meus membros todos vibraram ao contato daquele que está
acima do tato. Se o meu fim tiver de vir aqui, que venha! – Seja esta minha
palavra de adeus.” (21)
Como se fosse um excurso.
Temos chamado, várias vezes, Cecília Meireles de poeta. Alguns leitores
já me perguntaram por que isso, uma vez que existe a palavra poetisa, que é o