guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 29<br />
De Sagarana em diante, estreitam-se as intimida<strong>de</strong>s entre o autor e a<br />
obra, <strong>de</strong> tal modo que se chega, sem muito esforço, a encontrar em cada um dos<br />
seus livros um reflexo exato <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>.<br />
Por exemplo: TATARANA (um dos personagens <strong>de</strong> GR – T (prefixo <strong>de</strong><br />
classe superior) + ATÁ (fogo) + RANA (semelhante). O Tupi é língua aglutinante.<br />
O espírito do autor se transmitiu à obra e nela se <strong>de</strong>sescon<strong>de</strong>u meu pai,<br />
em seu natural, página por página, por trás das palavras ou adiante <strong>de</strong>las, no<br />
sentido das coisas que disse. Pesquisável e encontrável. Por vezes surgindo<br />
espontâneo, sem precisão <strong>de</strong> pesquisa, e por vezes sussurrando a sua verda<strong>de</strong><br />
interior, para que se chegue mais perto e mais atenção se ponha na conversa.<br />
Em 1956 foi lançado o fabuloso Corpo <strong>de</strong> Baile, com suas sete novelas,<br />
numa linguagem rica em beleza e força <strong>de</strong> estilo. Este livro foi posteriormente<br />
dividido em três volumes: Noites do Sertão, Manuelzão e Minguilim e No<br />
Urubuquaquá, no Pinhém.<br />
Ano produtivo, pois o Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, seu único romance –<br />
pois papai foi essencialmente um contista – também apresentado aos leitores,<br />
tornou-se imediatamente um sucesso. Criou verda<strong>de</strong>iro impacto, não só no<br />
Brasil, mas também nos países em cujas línguas foi traduzido. Gran<strong>de</strong> Sertão:<br />
Veredas possui técnica e linguagem especialíssimas, e um profundo conhecimento<br />
psicológico da alma <strong>de</strong> seus personagens. Além das críticas consagradoras,<br />
surgiram ataques violentos, e papai os <strong>de</strong>safiava, recortando os<br />
artigos e colando-os no álbum, <strong>de</strong> cabeça para baixo.<br />
Ensinou-me, então, algo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, que jamais esqueci:<br />
– Você <strong>de</strong>ve temer apenas um crítico: você mesma. Se estiver achando<br />
tudo o que escreve, ótimo, cuidado. Descanse o material numa gaveta e <strong>de</strong>pois<br />
o releia, com outro espírito. Sem pressa. Lembre-se, não se fabricam livros<br />
como se faz macarrão. Qualida<strong>de</strong> é sempre mais importante do que quantida<strong>de</strong>.<br />
E se você algum dia quiser <strong>de</strong>struir o que escreveu, achando tudo horrível,<br />
atenção! Você talvez já esteja atingindo a perfeição.<br />
Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas recebeu três prêmios: “Machado <strong>de</strong> Assis”, do<br />
instituto Nacional do Livro, “Carmem Dolores Barbosa”, <strong>de</strong> São Paulo e “Paula<br />
Brito”, da Municipalida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Muito merecidamente promovido a Embaixador, em 1958, recusou<br />
postos disputados, no Exterior, que lhe eram oferecidos pelo próprio Presi<strong>de</strong>nte<br />
Juscelino Kubitschek, seu amigo e colega <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos da Força Pública <strong>de</strong><br />
Minas. Preferia continuar tranqüilamente nas suas funções no Ministério e dar<br />
expansão à sua criativida<strong>de</strong>, escrevendo novas estórias.