guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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70 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
“De que era que eu tinha tanta, tanta culpa?”<br />
Por hipótese, po<strong>de</strong>mos supor um afluente <strong>de</strong> culpa <strong>de</strong>rivada do<br />
empecilho <strong>de</strong> o filho não vir-a-ser aquilo que po<strong>de</strong>ria ter sido. Culpa <strong>de</strong> não ser<br />
o que se pu<strong>de</strong>sse querer vir-a-ser. Essa, a culpa endógena.<br />
O outro manancial <strong>de</strong> culpa, provém do contato constante <strong>de</strong> apego do<br />
filho ao pai, ao participar ativamente do drama. O tempo é o infiel <strong>de</strong> todas as<br />
traições. “Ah, o tempo é o mágico <strong>de</strong> todas as traições...” escreve Guimarães<br />
Rosa no conto O espelho, que é o articulador e o fulcro <strong>de</strong>ste tratado pessoal <strong>de</strong><br />
filosofia <strong>de</strong> que trata Primeiras Estórias. O tempo corrói a disponibilida<strong>de</strong> e a<br />
boa vonta<strong>de</strong> do filho. Como a correnteza ero<strong>de</strong> o casco da canoa poitada em<br />
três décadas.<br />
Sabe-se que a culpa é péssima conselheira. Ela <strong>de</strong>strói, por impregnação,<br />
as capacida<strong>de</strong>s do sujeito tomar atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> avanço e <strong>de</strong> auto-realização. Culpa<br />
diminui e acovarda a pessoa. Além disso, é inesgotável se não for carpida em<br />
a<strong>de</strong>quado processo <strong>de</strong> luto.<br />
Se o pai se acha na terceira margem do rio, o filho, por sua vez, se per<strong>de</strong><br />
postado na primeira margem. Vivia <strong>de</strong>pletado: “esta vida era só o <strong>de</strong>moramento.”<br />
O filho sabe <strong>de</strong> sua impotência. O drama po<strong>de</strong> resvalar para o falimento,<br />
para a tragédia.<br />
Guimarães Rosa emprega, a meu ver, apenas três termos inusitados no<br />
conto. Neologismos? Nem por isso.<br />
Diluso quer dizer vislumbrado, entrevisto, pouco nítido.<br />
Bubuiasse é bubuiar, boiar ao sabor da corrente, sobrenadar. Provém do<br />
tupi: be’bui – algo leve, flutuante.<br />
Tororoma, do tupi toro´rom, significando corrente fluvial forte e ruidosa.<br />
Nada <strong>de</strong> neologismos. Apenas o conhecimento <strong>de</strong> línguas.<br />
“Eu não escrevo difícil. EU SEI O NOME DAS COISAS”. Eis o que<br />
afirma <strong>de</strong> modo categórico nosso querido escritor.<br />
A mãe tem papel marginal na estória. “Nossa mãe era quem regia,”<br />
“Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente<br />
alva <strong>de</strong> pálida, mascou o beiço e bramou:<br />
“– Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”<br />
“– Cê vai” é aceitação da resolução <strong>de</strong> um íntimo, o marido.<br />
“– Ocê fique” é o tratamento explícito a um outro diferente.<br />
“– Você nunca volte!” é a exclamação <strong>de</strong> protesto pela rejeição<br />
inflingida a ela, “nossa mãe”, que assim rompe <strong>de</strong> vez com ele, marido, pai:<br />
“você.”