guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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136 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
Ou melhor dizendo: sem ter <strong>de</strong> estar a serviço <strong>de</strong> uma causa; sem precisar <strong>de</strong><br />
ser algo mais que poesia.<br />
3.<br />
Po<strong>de</strong>-se, então, falar – no caso <strong>de</strong> Cecília – que havia nela e em seus<br />
poemas “uma certa ausência do mundo” ?<br />
Respon<strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que <strong>de</strong> poesia sabia tudo: “Do<br />
mundo como teatro, em que cada espectador se sente impelido a tomar parte<br />
frenética no espetáculo, sim; não, porém, do mundo <strong>de</strong> essências, em que a vida<br />
é mais intensa porque se <strong>de</strong>senvolve em estado puro, sem atritos, liberta das<br />
contradições da existência. Um estado em que sabedoria e beleza se integram e<br />
se dissolvem na perfeição da paz.” (5)<br />
Nesse sentido, a presença <strong>de</strong>la “no fundo do mundo” (para usar uma<br />
expressão <strong>de</strong> Guimarães Rosa), uma presença que se difun<strong>de</strong> e se distribui no<br />
amor e na partilha da beleza, é quase visível, quase palpável. Sempre que abrimos<br />
um livro <strong>de</strong> Cecília, sentimos uma espécie <strong>de</strong> beijo <strong>de</strong> paz, suave, dorido,<br />
mas sem aflições nem <strong>de</strong>sesperanças, reconstituindo em nós o que andava<br />
fendido ou espedaçado: Cecília é reconciliação e reconstrução. Sem precisar <strong>de</strong><br />
falar nisso explicitamente, sem nenhuma pregação, sem nenhuma pretensão <strong>de</strong><br />
convencimento. Vejam só como a poesia fala (e isto já em Viagem (1939):<br />
MOTIVO<br />
Eu canto porque o instante existe<br />
e a minha vida está completa.<br />
Não sou alegre nem sou triste:<br />
sou poeta.<br />
Irmão das coisas fugidias,<br />
não sinto gozo nem tormento.<br />
Atravesso noites e dias<br />
no vento..<br />
Se <strong>de</strong>smorono ou se edifico,<br />
se permaneço ou me <strong>de</strong>sfaço,<br />
– não sei, não sei. Não sei se fico<br />
ou passo.