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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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Os Jagunços e o Rio do Chico no Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas _______________________________ Letícia Malard 43<br />

e enterrados. Separando-os <strong>de</strong> Riobaldo, as imensas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terra vermelha<br />

que dão nome ao Paredão, e o Rio São Francisco – um pau grosso, em pé,<br />

enorme – sem dúvida um símbolo fálico, obscuro objeto do <strong>de</strong>sejo interdito no<br />

passado <strong>de</strong> Riobaldo.” (16)<br />

Passemos agora a analisar as articulações que se estabelecem entre o<br />

narrador especificamente e o São Francisco. Como dissemos, foi à beira <strong>de</strong>le<br />

que Riobaldo e Diadorim se conheceram ainda crianças, que o atravessaram<br />

“numa canoa afunda<strong>de</strong>ira”. Tal fato aconteceu on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>-Janeiro <strong>de</strong>ságua no<br />

São Francisco, no baixio da Sirga. Assim a travessia passa a adquirir importância<br />

ímpar na narrativa, a ponto <strong>de</strong> ser sua última palavra. Cruzando o rio<br />

daquela forma, Riobaldo morre <strong>de</strong> medo, ao passo que Diadorim dá exemplo <strong>de</strong><br />

coragem e valentia, divertindo-se com o temor do companheiro, em exibição <strong>de</strong><br />

superiorida<strong>de</strong>.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, já integrados ao bando <strong>de</strong> jagunços, Diadorim sempre<br />

mostrando-se mais corajoso do que o amigo, Riobaldo vai dizer que na<br />

companhia <strong>de</strong>ste não teme os soldados e embarcaria até na prancha <strong>de</strong> Pirapora.<br />

Esse tipo <strong>de</strong> embarcação – prancha – que levava carga, bem maior do que a<br />

canoa, era mais perigoso do que esta, por dois motivos: primeiro, pelas condições<br />

do próprio veículo – balsa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, no geral <strong>de</strong>scoberta, que viajava<br />

sob o impulso da correnteza, “solta à toa”, como diziam seus tripulantes;(17)<br />

segundo, porque os embarcados seriam facilmente vistos pela repressão legal.<br />

Então, quanto mais se intensifica a ligação amo<strong>rosa</strong> entre Riobaldo e Diadorim,<br />

mais aumenta a coragem <strong>de</strong> Riobaldo pela influência do amigo: nesse par, são<br />

trocados, <strong>de</strong> forma sempre crescente, amor por amor, e covardia por coragem.<br />

Assim, a travessia tem vários sentidos no romance, mas esse especificamente<br />

remete àquele primeiro encontro na margem do rio, à aventura <strong>de</strong><br />

atravessá-lo – ponto <strong>de</strong> partida do amor interdito, ao ser relembrado. A vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> esquecer Diadorim é <strong>de</strong>signada <strong>de</strong> “tristonha travessia, água <strong>de</strong> rio que se<br />

arrasta”. (18) A interdição amo<strong>rosa</strong> é chamada <strong>de</strong> “travessia <strong>de</strong> minha vida.”<br />

(19) E o forte e verda<strong>de</strong>iro amor é evocado nesta bela frase: “O real não está na<br />

saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” (20)<br />

Márcia Marques <strong>de</strong> Morais interpreta o encontro <strong>de</strong> Diadorim e Riobaldo<br />

na travessia do rio, pela ótica <strong>de</strong> um mundo misturado: “o si mesmo e o outro; o<br />

feminino e o masculino; medo e coragem; alegria e tristeza; interiorida<strong>de</strong> e<br />

exteriorida<strong>de</strong>; o bem e o mal – tudo misturado.” (21) Tal mistura é uma<br />

interpretação muito feliz. Complementando, vejo-a esten<strong>de</strong>ndo-se a todo o<br />

romance, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>para com vários níveis <strong>de</strong> travessia, inclusive naquele

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