guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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66 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
Segundo Agnucha, sua segunda filha Agnes, Guimarães Rosa era espiritualista,<br />
apreciador do hinduísmo e <strong>de</strong> Krishnamurti. Ele afirmou: “Eu creio<br />
firmemente em ressurreição e no infinito. Reporto-me ao transcen<strong>de</strong>nte. Sou<br />
profundamente, essencialmente religioso. Sou místico, pelo menos acho que<br />
sou. Vivo no infinito; o momento não conta”.<br />
Este é o quadro sinóptico das crenças e das convicções do maior escritor<br />
brasileiro/português. Para ele, o mundo é mágico e o mistério está sempre<br />
aguardando um milagre para se resolver.<br />
Um autor bem menor, mas com a mesma cepa <strong>de</strong> buscar conhecer o real<br />
e o absoluto, vai aqui interpretar o que quer significar “a terceira margem do rio.”<br />
A primeira margem do rio é aquela na qual nascemos, crescemos e estamos<br />
como sujeito-a-nós-mesmos. Aqui nos situamos, com nosso embornal <strong>de</strong><br />
apetrechamentos, ávidos do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> buscar algo mais, melhor, postado lá,<br />
alhures, na e para diante da segunda margem do rio. Os objetos <strong>de</strong> nossos<br />
<strong>de</strong>sejos, emergentes <strong>de</strong> nossas incompletu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> nossas carências, imploram<br />
para serem amortizados ou mesmo preenchidos por novos objetos <strong>de</strong><br />
completu<strong>de</strong> indicados pela concupisciência <strong>de</strong> nossos <strong>de</strong>sbragados <strong>de</strong>sejos.<br />
Desejo é um renitente nostálgico que está sempre hiante, aberto, a buscar<br />
o objeto qualquer, porém a<strong>de</strong>quado, capaz <strong>de</strong> encaixar-se e preencher a carência<br />
do sujeito. Para tanto, o indivíduo terá que ousar arrostar a correnteza e a<br />
profundida<strong>de</strong> do rio, atravessando-o, com medo e com coragem, em bamba<br />
canoa. Do lado <strong>de</strong> lá, na segunda margem do rio, a pessoa encontra e locupletase<br />
do outro – semelhante-<strong>de</strong>ssemelhante – novida<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong>safiante e, ao mesmo<br />
tempo, completador e enriquecedor. Constitui-se assim uma corriqueira trama<br />
<strong>de</strong> vida. Então por quê, on<strong>de</strong> está a terceira margem do rio?<br />
Vamos especular. Todo ser vivo <strong>de</strong>ve uma morte à natureza. A teleologia,<br />
a finalida<strong>de</strong> da vida é a morte pessoal do façanhudo sujeito. Viver é, a cada<br />
momento, aproximar-se mais da própria morte. A morte é a única interrogação<br />
séria a ser feita por quem é vivo. O evento futuro da morte pessoal é o motor <strong>de</strong><br />
todas as cogitações filosóficas.<br />
O pai – semiologicamente tido por louco, leproso, calado, silencioso,<br />
possuído por vertigens – nada disso o <strong>de</strong>fine. O pai é a sã consciência lúcida da<br />
assunção da angústia – do estreitamento das livres disponibilida<strong>de</strong>s do ser<br />
vivente. Resolve antecipar-se ao inexorável <strong>de</strong>stino tomando atitu<strong>de</strong> para todos<br />
incognoscível. Seu comportamento é estranho, insólito, inapreensível para<br />
todos nós, aqueles que, meramente, utilizam o rio como vau <strong>de</strong> passagem<br />
daqui-prali e <strong>de</strong> lá pra cá. O pai posta-se em canoa no meio da corrente do rio.<br />
Instala-se parado em meio ao fluxo incessante. Compõe a paralisia do ser em