guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

200 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS
(1 faca, 2 garfos, 2 colheres, 3 pratos, 1 xícara, 1 pires, 1 copo) ou que mantém
desperta sua consciência de realidade: molduras sem retratos, que simbolizam a
obviedade das relações familiares e sentimentaloides; um baralho de cartas
pornográficas, que faz presente a diferença entre amor e desejo sexual; uma
caixa sem fechadura (que lembra sua vontade de abrir-se para o mundo) com
um conteúdo contraditório representado pela inutilidade das cartas convencionais
e pela silenciosa, mas infinita pureza de pedras apanhadas na praia num
tempo de pureza infinita como o da infância. É deste modo que Albee utiliza o
simbolismo. É interessante notar que, tendo falhado suas relações familiares e
suas experiências hetero e homossexuais, Jerry recusa-se a sentimentalizá-las e
nem procura justificar-se pela cômoda invocação de uma infância infeliz. Ele se
conhece demais e sabe que a solidão existe a despeito de tudo; que o contato
pode ser raramente conseguido, é sempre doloroso e difícil, e não há nenhuma
segurança quanto à sua durabilidade. Sobre estas dificuldades, sobre esta
insegurança, é que ele disserta na sua História de Jerry e o cachorro. As peças
de Albee têm sempre uma “história” narrada por um dos personagens. Em
Who’s afraid of Virginia Wolff ela é a “novela” de George; em Bessie Smith são
os longos monólogos de Jack; em American Dream é a simbólica e bizarra
narrativa de Grandma. Em Zoo Story ela trata, em resumo, das tentativas de
contato de Jerry com o cachorro que pertence à proprietária do apartamento
onde ele vive. O cão, naturalmente é o mitológico Cerberus guardando as
portas de um inferno mais moderno onde definham os recusados pela
sociedade. Mas o simbolismo é mais complexo: Jerry só é atacado pelo cão
quando entra, nunca quando sai. O cachorro tem o seu domínio, como Peter
tem o seu universo particular de preconceitos e lugar-comum. Mais tarde, Peter
faria do banco do parque parte do seu universo. Tanto ele como o cachorro
estão dispostos a impedir qualquer invasão dos seus territórios. Na verdade,
Jerry reconhece no cão as mesmas qualificações que ele observa nos animais de
sua própria espécie: ódio, falsidade, exploração, desconfiança, traição. Para
estabelecer um contato é necessário atingir o cerne animal onde as emoções não
podem ser distinguidas com clareza, onde prazer e dor se misturam, onde
bondade e crueldade deixam de ter limites precisos. Duas dúzias de “hamburgers”
não compram a simpatia da fera: é preciso também envenená-los.
E mesmo assim o entendimento, a comunicação, são momentâneos, nada
pode assegurar sua permanência: “o que é ganho é perdido”. Após o envenenamento
fracassado, as relações de Jerry com o cão atingem apenas um novo
estágio, o mesmo estágio que George e Martha atingem no final de Who’s
afraid: trata-se de um compromisso, o de não amar nem ferir, porque nenhum