guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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54 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
<strong>de</strong>pois da Vereda-do-Frango-d´Agua, no Mutum, terra que o pequeno não<br />
conhecia em <strong>de</strong>talhes, antes das lentes dos óculos do médico visitante, o Dr.<br />
José Lourenço. O <strong>de</strong>senrolar da estória revela os personagens recrutados em<br />
espaço pequeno <strong>de</strong>ntro do enredo: mãe, pai, tio, irmãos, avó e uma criatura<br />
exótica, Mãitina, das que jamais foram esquecidas em quase todas as novelas<br />
<strong>de</strong> Rosa, e que se apartava da trama, servindo apenas <strong>de</strong> figuração criadora.<br />
Guimarães Rosa escreveu o livro sem a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>smembrá-lo, razão<br />
pela qual Miguilim e seus irmãos ressurgem em novelas outras do mesmo livro:<br />
Tomé, o amásio da Jini, Drelina, esposa do Fradim, e a Chica, “que era branca<br />
quase como leite, com os olhos azuis, uma beleza muito <strong>de</strong>licada”, e tinha sido<br />
trazida pelo irmão ali para o Pinhém, e assim eles aparecem na novela Lélio e<br />
Lina. Miguel, formado veterinário, compõe o enredo <strong>de</strong> um outro texto, Buriti,<br />
mas não <strong>de</strong>ixa o leitor antever o seu futuro feliz ou não com a Glorinha. E fala<br />
<strong>de</strong> um seu irmão, Dico, que morreu menino.<br />
Em muitas estórias, o autor fazia questão <strong>de</strong> introduzir tipos característicos,<br />
com as taras e os cacoetes próprios dos “diferentes”, inscritos como<br />
marginalizados na esfera do “senso comum”. Cita-os Eduardo F. Coutinho:<br />
“loucos, cegos, doentes em geral, criminosos, feiticeiros, artistas populares, e<br />
muitos outros (...). Lúcidos em sua loucura, ou sensatos em sua aparente<br />
insensatez”.<br />
Em Corpo <strong>de</strong> Baile, Guimarães Rosa <strong>de</strong>dica-se com gran<strong>de</strong>s cuidados às<br />
pessoas dos vaqueiros <strong>de</strong> suas estórias. Conta-lhes da filiação, dos antece<strong>de</strong>ntes,<br />
do viver cotidiano amoroso, das rivalida<strong>de</strong>s, e acima <strong>de</strong> tudo, dita-lhes<br />
os nomes e os sobrenomes, ao contrário do que se dá em Gran<strong>de</strong> Sertão:<br />
Veredas, quando a maioria dos jagunços era <strong>de</strong>signada apenas pelos apelidos.<br />
Diferentemente em “Cara <strong>de</strong> Bronze”, Rosa pluralizou diálogos dos trabalhadores,<br />
congraçou-lhes opiniões, indicando os boia<strong>de</strong>iros, vaqueiros ou peões<br />
apenas pelas alcunhas.<br />
Dois maravilhosos contos <strong>de</strong> Corpo <strong>de</strong> Baile, A Estória <strong>de</strong> Lélio e Lina e<br />
o Recado do Morro, imprimem na criação literária <strong>de</strong> Guimarães Rosa um<br />
ponto altíssimo, com a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipos, as diversas situações nos conflitos<br />
psicológicos, os inesperados enredos, tudo refletido no ágil ritmo da riqueza <strong>de</strong><br />
estilo e forma.<br />
Curioso é que, nas cida<strong>de</strong>s interioranas, as ruas recebem cidadãos<br />
<strong>de</strong>sestruturados social e psicologicamente, e que se tornam parte integrante do<br />
folclore da comunida<strong>de</strong>. Rosa tinha o olhar muito arguto a respeito <strong>de</strong> tais<br />
personagens. Em O Recado do Morro, uma série <strong>de</strong>ssas pessoas se <strong>de</strong>staca e<br />
chega a formar o corpo central da trama novelística: o Gorgulho, o Catraz, o