guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Sagarana: anúncio e amostra <strong>de</strong> uma revolução literária ________________________________ Ângela Vaz Leão 95<br />
Uma página <strong>de</strong>pois, insiste o narrador: Assim, pois, <strong>de</strong> qualquer maneira, nesta<br />
história, pelo menos no começo – e o começo é tudo – Turíbio Todo estava com<br />
a razão (p. 140). Na mesma página, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> qualificar o conto metalingüísticamente<br />
como estória (p. 139) e história (p. 140), portanto, ficção, mas ficção<br />
fi<strong>de</strong>digna, o Autor se refere à <strong>de</strong>scoberta do adultério pelo marido e, entre<br />
parênteses, afirma a veracida<strong>de</strong> dos fatos: (com perdão da palavra, mas é<br />
verídica a narrativa) (p. 141). E ficamos sem saber: historia acontecida? ou<br />
história inventada? Mas, afinal, que importância tem isso, diante da excelência<br />
do conto? É essa excelência que produz a ilusão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. É o estilo, e não<br />
uma prova documental ou testemunhal, que faz do conto uma história<br />
fi<strong>de</strong>digna.<br />
As marcações temporais, ou alusões ao tempo narrativo, também<br />
consi<strong>de</strong>radas metalingüísticas, são tão freqüentes que seria difícil enumerá-las<br />
aqui, na totalida<strong>de</strong>. O seu alto índice nos obriga a reduzi-las a uns poucos<br />
exemplos: E isso foi na quarta-feira. ... (p. 141) Quinta-feira pela manhã... (p.<br />
141). (...) Bem quinta-feira <strong>de</strong> manhã,... (p. 142). E continuam as localizações<br />
temporais explícitas, com a função metalingüística <strong>de</strong> pontuar e esclarecer a<br />
narrativa, para ajudar o leitor a acompanhá-la. Mais adiante lê-se ainda: (...)<br />
durante dois meses, (p. 145), (...) nesse <strong>de</strong>pois, (p. 145); (...) já durava cinco<br />
ou cinco meses e meio a correria, monótona e sem <strong>de</strong>sfecho (p. 148). E por aí<br />
vai o autor, sempre pontuando a leitura e monitorando o leitor, lembrando as<br />
seqüências e as intermitências dos fatos, <strong>de</strong> modo que não se perca o fio da<br />
meada.<br />
Essas e outras qualida<strong>de</strong>s literárias presentes no conto “Duelo” marcam<br />
toda a obra <strong>de</strong> Guimarães Rosa, justificando-se a sua indiscutível posição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque em relação às literaturas <strong>de</strong> língua portuguesa. E, <strong>de</strong>ntro do conjunto<br />
da narrativa rosiana, se Sagarana não se emparelha com Gran<strong>de</strong> Sertão:<br />
Veredas, também não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ocupar um lugar importante, quando nada pela<br />
sua situação ímpar no que diz respeito a uma revolução estilística então<br />
<strong>de</strong>sconhecida nessas literaturas. Na verda<strong>de</strong>, os contos <strong>de</strong> Sagarana<br />
representam um anúncio, mas também dão uma amostra, da revolução<br />
lingüística e literária que se efetivará, <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois, no romance Gran<strong>de</strong><br />
Sertão: Veredas.<br />
Essa foi a leitura que pu<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> Sagarana, para apresentá-la aqui, nos<br />
limites <strong>de</strong> uma palestra. Espero que ela tenha servido, pelo menos, para<br />
<strong>de</strong>spertar nos ouvintes o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ler ou <strong>de</strong> reler o conto “Duelo”, que foi meu<br />
objeto central e que representa, juntamente com os outros contos do livro, um<br />
dos altos momentos da p<strong>rosa</strong> em língua portuguesa.