guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Tijuco – lendas e tradições ____________________________________________________ Edgar Matta Machado 187<br />
Aquelas damas orgulhosas e nobres, habituadas às riquezas, não podiam<br />
aceitar a generosida<strong>de</strong> irrisória do fisco.<br />
Por um gesto simultâneo, movidas pelo mesmo sentimento, <strong>de</strong>spojaram-se<br />
das próprias jóias que as adornavam então, para que nem mesmo aquelas<br />
insignificâncias per<strong>de</strong>sse a coroa.<br />
Conduzido para a prisão do Limoeiro, em Lisboa, Felisberto assistiu ao<br />
terremoto, e narra a lenda que, quando os habitantes, presas da <strong>de</strong>solação,<br />
fugiam, nas ruínas da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>smoronada, a figura pálida <strong>de</strong> Felisberto erguiase<br />
bradando: “Ladrões... restituí-me o dinheiro que me roubastes!”<br />
Para terminar a história do infeliz contratador, transcrevemos o seguinte<br />
trecho <strong>de</strong> Rodrigo Otávio: “... e, só <strong>de</strong>pois que um sinistro silêncio suce<strong>de</strong>u à<br />
confusão e tumulto das primeiras horas, o velho presidiário <strong>de</strong>sceu lentamente<br />
do alto das ruínas, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> contemplara o <strong>de</strong>plorável panorama da <strong>de</strong>struição, e<br />
se per<strong>de</strong>u no labirinto solitário das ruas <strong>de</strong>smoronadas.<br />
“Nesse andar chegou o ancião à casa em que, foi informado, estava o<br />
marquês <strong>de</strong> Pombal, cercado <strong>de</strong> outros ministros do rei, tomando as<br />
providências imediatas que tamanha <strong>de</strong>sgraça exigia.<br />
“Levado à presença do po<strong>de</strong>roso ministro, disse o velho: – “Senhor! Eu<br />
sou Felisberto Cal<strong>de</strong>ira Brant, o contratador dos diamantes do Tijuco, preso nos<br />
segredos do Limoeiro, e à espera, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1753, da liquidação <strong>de</strong> minhas contas.<br />
“Como a prisão em que me achava <strong>de</strong>sabou e restituiu-me à luz do dia,<br />
que não via <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tanto tempo, venho pedir à Vossa Excelência que <strong>de</strong>signe<br />
outra prisão, a que me <strong>de</strong>va recolher e aguardar a liquidação <strong>de</strong> meu débito e o<br />
levantamento do seqüestro <strong>de</strong> meus bens, o que já tantas vezes tenho requerido<br />
e <strong>de</strong> novo requeiro.”<br />
Surpreso com o estranho proce<strong>de</strong>r do mineiro, quando todos os outros se<br />
haviam prevalecido do sucesso para reconquistar a liberda<strong>de</strong> comprometida por<br />
algum crime ou malversação, Sebastião Joseph <strong>de</strong> Carvalho replicou: “– Não<br />
precisa que se lhe aponte prisão quem tão nobremente proce<strong>de</strong>.<br />
– Recolhei-vos aon<strong>de</strong> vos aprouver e quando houver passado esse<br />
primeiro tempo <strong>de</strong> extraordinárias preocupações, que esta <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong> hoje veio<br />
trazer para o serviço d’El-Rei, procurai-nos <strong>de</strong> novo que vamos prover acerca<br />
do vosso justo requerimento.”<br />
Falando no terremoto <strong>de</strong> Lisboa, lembramo-nos <strong>de</strong> uma lenda que corre<br />
em Diamantina, e que narraremos em largos traços.<br />
Quando em Lisboa, como se uma maldição tremenda pesasse sobre a<br />
cida<strong>de</strong> opressora, os palácios <strong>de</strong>smoronavam abalados nos fundos alicerces, e o<br />
povo assombrado errava pelas ruas, invadindo as Igrejas, como se no recesso