guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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60 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
refeito, um segredo, uma coisa, vou contar a você...” (p. 324, II v. O. C, Nova<br />
Aguilar). Mas o jagunço não captou a mensagem. Quem sabe, se ele tivesse<br />
insistido na revelação <strong>de</strong>ste segredo, a estória teria tido outro fim? Um final<br />
feliz, talvez, se Rosa o tivesse permitido!<br />
O Recado do Morro é uma viagem pelo interior mineiro, lembrando<br />
alguns estudiosos que o enredo po<strong>de</strong> formar uma estória <strong>de</strong>senvolvida por<br />
pessoas que encarnam uma alegoria da formação do país. É que caminham em<br />
excursão um naturalista estrangeiro, um religioso e um homem ajuizado e <strong>de</strong><br />
muita cabeça. Daí as comparações com os <strong>de</strong>sbravadores do Brasil. Esses<br />
personagens que participam da estória são rica e cuidadosamente <strong>de</strong>scritos por<br />
Guimarães Rosa, a partir do guia, enxa<strong>de</strong>iro Pedro Orósio, o Pê-Boi, homem<br />
imenso, que “nem lhe faltavam cinco centímetros para ter o talhe <strong>de</strong> um<br />
gigante”; o “seo Alquiste ou Olquiste, um alemão-rama – espigo, <strong>de</strong> cabelo e<br />
barba <strong>de</strong> milho mais a cara <strong>de</strong> barata <strong>de</strong>scascada”. Via-se que era <strong>de</strong> fora. Era<br />
doutor, sim, dos bons. Queria levar o Pê-Boi com ele. Na verda<strong>de</strong>, esse Pê-Boi,<br />
que ia <strong>de</strong>scalço à frente do heterogênio grupo, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, mostrava<br />
excelente fôlego: era capaz <strong>de</strong> levantar do chão um jumento arreado. Atrás <strong>de</strong>le<br />
vinham os três patrões, “gente <strong>de</strong> pessoa”. Ao lado do seo Alquiste, um fra<strong>de</strong><br />
louro – frei Sinfrão, e mais o seu Jujuca do Açu<strong>de</strong>, fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> gado. Derra<strong>de</strong>iro,<br />
um camarada também a cavalo e que permanecia tangendo os burros<br />
cargueiros. A viagem percorre fazendas e segue bor<strong>de</strong>jando morros e contornando<br />
escarpas e colinas. A nomenclatura <strong>de</strong>ssas fazendas está fixada na<br />
astrologia. Cada fazen<strong>de</strong>iro e seus vaqueiros também tinham nomes relacionados<br />
com os dias da semana – mesmo em língua estrangeira. Estabeleceu-se<br />
correlação entre Apolinário (Apolo), Nhá Selena (Lua), Marciano (Marte), Nhô<br />
Hermes (Mercúrio), Jove (Zeus), dona Vininha (Venus) e Juca Saturnino<br />
(Saturno). O autor aconselha a que se cui<strong>de</strong> da astrologia, da filosofia e da<br />
poesia para uma boa interpretação do texto.<br />
O recado que o morro transmitia era um grito surdo, audível e entendido<br />
apenas pelos ouvidos <strong>de</strong>sgovernados <strong>de</strong> personagens aloucados. Na verda<strong>de</strong>, a<br />
notícia que o recado traduzia em sua toada reveladora era uma <strong>de</strong>nuncia <strong>de</strong><br />
trama urdida contra o Pê-Boi, o Pedro Orósio, e que <strong>de</strong>veria culminar com sua<br />
morte. Essa mensagem é <strong>de</strong>clarada pelo Gorgulho, em linguagem <strong>de</strong>sconexa e<br />
fragmentada, quando esse estranho morador <strong>de</strong> uma gruta, uma espécie <strong>de</strong><br />
ermitão, afirma tê-la escutado do morro. É um aviso <strong>de</strong> traição, i<strong>de</strong>ntificado por<br />
uma caveira, misturado com festivida<strong>de</strong>, e que envolveria o Pedro Orósio. O<br />
anunciante era “um homenzinho terém-terém, pon<strong>de</strong>radinho no andar, todo<br />
arcaico”, diz o escritor. A mensagem é passada pelo perturbado raciocínio <strong>de</strong>