guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Permanência <strong>de</strong> Cecília ________________________________________________________ Pe. Paschoal Rangel 139<br />
felizmente os poetas continuam existindo e, na medida em que, como Cecília,<br />
pousam suas canções sobre os espetáculos das guerras, das maldições, dos<br />
ódios, das vinganças, dos negócios <strong>de</strong>sumanos, eles reconciliam e reconstroem<br />
o mundo. Para usar uma frase profunda e bem achada do Pe. Leonel Franca, o<br />
mundo mo<strong>de</strong>rno, que morreria do que afirma, continua a viver do que nega. E<br />
assim, por ela (a canção) “os homens te conhecerão; / por ela, os tempos versáteis<br />
saberão/ que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente,/ quando por<br />
ela andou teu coração”.<br />
Cecília vai ajudar o mundo a viver, levando o mundo a escapar da<br />
cru<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e da barbárie que o envolve em sangue e sujeira. Mesmo que, para<br />
isso, tenha <strong>de</strong> cantar até morrer:<br />
5 – Cecília e a canção (2)<br />
A mulher do canto lindo<br />
ajuda o mundo a sonhar<br />
com o canto que a vai matando<br />
ai!<br />
E morrerá <strong>de</strong> cantar. (10)<br />
A poesia ceciliana não é simplesmente intimista, na linha do simbolismo,<br />
mas é, sim, no conjunto, incompreensível sem o traço <strong>de</strong> um neo-simbolismo,<br />
que se caracteriza por um corte místico, uma poética do eu profundo, mais<br />
voltada para o mundo interior. O próprio mundo externo, presente em muitos<br />
<strong>de</strong> seus livros, especialmente em Mar Absoluto e Outros Poemas, em Retrato<br />
Natural, com tantas <strong>de</strong>scrições bucólicas: “Madrugada no campo”, “Madrugada<br />
na al<strong>de</strong>ia”, “Campo”, “Pastorzinho mexicano” (todos <strong>de</strong> Mar Absoluto), está ali<br />
mais como ponto <strong>de</strong> partida para uma “viagem” ao mundo interior. “Lembrança<br />
rural” (<strong>de</strong> Vaga Música) mostra bem sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ver”, “olfactar”,<br />
“apalpar” o mundo em volta. Não <strong>de</strong>ixa, porém, <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong> que “sua praia”<br />
é outra. Ela vive mais naturalmente a música interior, a paisagem da alma. O<br />
mundo é, para ela, antes uma ocasião <strong>de</strong> meditar, <strong>de</strong> experimentar as sensações<br />
internas, o sentimento da precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as coisas, da sua provisorieda<strong>de</strong>.<br />
No começo <strong>de</strong> sua vida, ela era mais católica, ligou-se a movimentos<br />
literários <strong>de</strong> grupos católicos, como o da revista Árvore Nova, ou o <strong>de</strong> Terra do<br />
Sol e o da revista Festa. Alguns motivos a foram distanciando da Igreja – creio