guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 33<br />
Lima, que me conhecia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenina, lesse a carta em voz alta, durante a<br />
noite <strong>de</strong> autógrafos. Os jornalistas presentes a copiaram e ela foi publicada em<br />
diferentes jornais.<br />
Afinal, ele compareceu. Com a cumplicida<strong>de</strong> do meu marido, papai<br />
sentou-se, oculto pela vegetação que <strong>de</strong>corava a pérgola do Iate Clube, assistindo,<br />
<strong>de</strong>leitado, ao <strong>de</strong>senrolar da minha noite <strong>de</strong> autógrafos.<br />
Mais tar<strong>de</strong> saiu do escon<strong>de</strong>rijo, e surgiu todo risonho diante <strong>de</strong> mim.<br />
Abraçou-me com carinho chamando-me “lépida, límpida e luminosa colega <strong>de</strong><br />
letras”, e aquele foi, realmente, meu momento <strong>de</strong> glória. Ele costumava nos<br />
dizer, à Agnes e a mim, que <strong>de</strong>veríamos sempre cultivar a arte <strong>de</strong> sermos<br />
“lépida, límpida e luminosa”, a fim <strong>de</strong> melhor, e com mais sucesso, enfrentarmos<br />
a vida. Então eu senti que, <strong>de</strong> alguma forma, pelo menos naquela noite,<br />
eu o conseguira, na opinião <strong>de</strong> meu pai.<br />
Combinamos, então, para a semana seguinte, uma sessão <strong>de</strong> leitura do<br />
meu livro, a quatro olhos, sujeita a alguma crítica construtiva, o que infelizmente<br />
não foi possível acontecer. Muito antes, ao lhe participar o título<br />
Acontecências, ele tentara, em vão, convencer-me a trocá-lo, pois “o achava ser<br />
Guimarães Rosa <strong>de</strong>mais”, po<strong>de</strong>riam pensar que tivesse sido ele o criador da<br />
palavra “Acontecências”. Mas não me convenceu. Disse-lhe o quanto frustrante<br />
seria, para mim, se eu <strong>de</strong>sistisse <strong>de</strong> minhas próprias criações, receando<br />
críticas. Ele confessou admirar a minha coragem. Também revelou que não<br />
resistira e já lera o meu livro, pois fora avisado pelo José Olympio assim que os<br />
primeiros volumes haviam chegado à editora. O importante, para mim, é que<br />
papai estava entusiasmado, aprovando o meu estilo direto e gostando das<br />
minhas estórias!<br />
Ele vinha adiando a sua Posse na <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, já por<br />
quatro anos. Recebi pedidos para convencê-lo, mas quando eu tocava no<br />
assunto, ele criava <strong>de</strong>sculpas quase convincentes.<br />
Afinal, papai escolheu o dia 16 daquele mês, data <strong>de</strong> nascimento do<br />
gran<strong>de</strong> amigo e colega <strong>de</strong> Carreira, João Neves da Fontoura, para cuja vaga, na<br />
Ca<strong>de</strong>ira número dois da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, ele fora eleito.<br />
De repente, logo após a animação e a alegria da minha noite <strong>de</strong> autógrafos,<br />
papai não conseguia disfarçar uma expressão triste e preocupada. Pensei<br />
que fosse o excesso <strong>de</strong> emoção, ou até mesmo a própria timi<strong>de</strong>z, temendo ser o<br />
centro das atenções, e aparecer todo engalanado, com o fardão acadêmico. Ao<br />
perguntar-lhe o que andava sentindo, ele respon<strong>de</strong>u-me:<br />
– Estou com sauda<strong>de</strong>s da eternida<strong>de</strong>...<br />
Mas parecia muito seguro <strong>de</strong> si, durante a solenida<strong>de</strong> da Posse.