guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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218 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
A eterna luta da Arte não é propriamente contra a Teoria, porém,<br />
apesar da teoria... Os criadores geniais estabelecem um ou outro<br />
princípio teórico, mas, esses princípios não têm pra eles função<br />
básica <strong>de</strong> teoria. Exercem antes uma função normalizadora,<br />
estabilizadora <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> tendências mais ou menos<br />
coletivas. Isso quer dizer que, pros artistas gran<strong>de</strong>s, a teoria existe<br />
em função da Arte, e não tem nem cheiro leve <strong>de</strong> lei. É norma. Só<br />
nos períodos <strong>de</strong> estratificação duma modalida<strong>de</strong> artística, é que<br />
verda<strong>de</strong>iramente a Teoria se organiza, tirando das criações do<br />
passado, regras que se fingem <strong>de</strong> leis. Mas então essas leis não<br />
servem mais, geralmente, porque provindas duma arte caduca,<br />
arte que também não serve mais. (...) Ao lado <strong>de</strong>ssas leis, surgem<br />
tendências novas com formas novas, tímidas no começo, confusas,<br />
abandonadas às vezes, retomada as vezes, manifestações ainda<br />
precárias da inteligência organizadora, que tanto custa a se a<br />
fazer com as mudanças pererecas da sensibilida<strong>de</strong> da vida social.<br />
E essas tendências novas, essas normas novas, são abafadas,<br />
martirizadas, pela inércia natural dos teoristas e artistinhos<br />
repetidores, que só po<strong>de</strong>m encontrar no caminho freqüentado do<br />
passado aquela pasmaceira <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong> a que se afazem tão bem<br />
os comedores <strong>de</strong> cadáveres e os que têm braços caídos. (ANDRA-<br />
DE, Música, doce música: 30).<br />
Na seqüência do artigo, Mário reconhece a importância <strong>de</strong> teóricos<br />
geniais, como Guido d’Arezzo, cuja obra ilumina o passado com compreensão<br />
crítica e facilita o futuro, reconhecendo-lhes as teorizações como um gran<strong>de</strong><br />
trabalho criativo <strong>de</strong> síntese. Comparando-se a citação acima com as<br />
consi<strong>de</strong>rações anteriores <strong>de</strong> Jacques Maritain, percebemos nos dois autores a<br />
primazia da criativida<strong>de</strong> sobre a teorização, a última só se justificando<br />
posteriormente, quando alicerçada nas ousadas experiências <strong>de</strong> criadores<br />
geniais <strong>de</strong> uma época anterior. Nota-se também, no texto <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
uma característica comum a vários <strong>de</strong> seus escritos – a tendência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar-se<br />
do assunto para se concentrar em exemplos pessoais. Assim, mais que <strong>de</strong> teoria<br />
ou arte, o escritor fala <strong>de</strong> teóricos e artistas. Do filósofo francês, interessa-lhe,<br />
sobretudo, a vinculação escolástica da Arte ao Fazer e a idéia <strong>de</strong> que o bem da<br />
obra <strong>de</strong> arte importa mais que o bem do artista.<br />
Mário não segue até o final o pensamento <strong>de</strong> Maritain expresso em Art et<br />
scolastique. Apropria-se do que lhe parece funcional para seus propósitos,