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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas ____________________________________________________________ Antônio Olinto 103<br />

“Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa-vonta<strong>de</strong>, a qual<br />

bem certo creia que, para aformosentar nem afear, a que não há <strong>de</strong> por mais do<br />

que aquilo que vi e que me pareceu. Da marinhagem e das singraduras do<br />

caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza – porque o não saberei fazer – e<br />

os pilotos <strong>de</strong>vem ter este cuidado.”<br />

A linguagem <strong>de</strong> Riobaldo e Diadorim se assemelha, sob muitos aspectos,<br />

às <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> Pêro Vaz <strong>de</strong> Caminha. Eis como falava o cronista da Descoberta<br />

respeito dos nossos índios:<br />

“Os cabelos <strong>de</strong>les são corredios. E andavam tosquiados, <strong>de</strong> tosquia alta<br />

antes do que sobrepente <strong>de</strong> boa gran<strong>de</strong>za, rapados, todavia por cima das<br />

orelhas. E um <strong>de</strong>les trazia por baixo da covinha, <strong>de</strong> fonte a fonte, na parte <strong>de</strong><br />

trás, uma espécie <strong>de</strong> cabeleira, <strong>de</strong> penas <strong>de</strong> ave amarela, que seria do comprimento<br />

<strong>de</strong> um côto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as<br />

orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição<br />

branda como cera (mas não era cera), <strong>de</strong> maneira tal que a cabeleira era mui<br />

redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a<br />

levantar.”<br />

Num dos períodos finais da carta se torna mais evi<strong>de</strong>nte a afinida<strong>de</strong>, com<br />

ela, <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas:<br />

“E <strong>de</strong>sta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E<br />

se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o <strong>de</strong>sejo que tinha <strong>de</strong> vos<br />

tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.”<br />

A expressão “pelo miúdo”, por exemplo, é muito usada no romance <strong>de</strong><br />

Guimarães Rosa, cuja sintaxe se aproxima da <strong>de</strong> Pêro Vaz <strong>de</strong> Caminha, como<br />

da linguagem portuguesa comum na época do <strong>de</strong>scobrimento do Brasil. As<br />

modificações por que passa um idioma em terra estranha – como o português<br />

no Brasil – são fundamentais em todos os sentidos, inclusive no <strong>de</strong> conservar<br />

termos e modos muito antigos, que a língua-mãe já per<strong>de</strong>u. Os homens que<br />

percorrem o sertão do Urucuia, insulados em suas jagunçagens, renovam as<br />

palavras, mas têm um manancial <strong>de</strong> expressões, e <strong>de</strong> maneiras <strong>de</strong> as colocar em<br />

frases, que po<strong>de</strong>m datar do tempo em que os portugueses aportaram ao Brasil.<br />

Sendo fiel a uma fala que parecia perdida, Guimarães Rosa inova. As<br />

semelhanças que nele encontro, com uma linguagem velha, não significam<br />

imitação. Ao contrário. São a marca <strong>de</strong> uma tradição <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um meio<br />

revolucionário <strong>de</strong> expressão. A invenção literária não está em arrancar formas<br />

do nada. Consiste, sim, no insuflar um espírito novo em matéria que po<strong>de</strong>ria<br />

sugerir morte. Aí se encontram as “raízes profundas” <strong>de</strong> que falou Douglas<br />

Bush:

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