guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Corpo <strong>de</strong> Baile: <strong>de</strong> Miguilim a Miguel ___________________________________ Carmen Schnei<strong>de</strong>r Guimarães 55<br />
Guegue, o Jubileu ou Santos Olhos, o Dominedomine. E eram esses que sabiam<br />
e interpretavam o significado do Recado, o que o Morro das Garças enviava.<br />
No romance Buriti, o Mestre Zaqueu confirma a preocupação <strong>de</strong> Rosa com as<br />
criaturas especiais, tendo o autor assinalado também, com fortes traços <strong>de</strong><br />
feiúra e excentricida<strong>de</strong>, a personagem <strong>de</strong> Maria Behu, irmã da bela Glorinha,<br />
namorada <strong>de</strong> Miguel, chegando a eliminá-la no final do conto.<br />
Em Uma Estória <strong>de</strong> Amor, ali na festa <strong>de</strong> Manuelzão, sobressaía o João<br />
Urugem, “que morava numa choupana, acomodada em árvores e moitas”. Mas<br />
o narrador se <strong>de</strong>mora na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> quantos surgiam nas comemorações. A<br />
novela não é uma estória <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong>ssas que se escrevem com dois<br />
personagens encantados um com o outro. O texto fala do cumprimento <strong>de</strong> uma<br />
promessa feita por vaqueiro religioso a sua querida mãe, já falecida, a qual<br />
seria a da construção <strong>de</strong> uma capelinha <strong>de</strong>dicada a Nossa Senhora do Perpétuo<br />
Socorro. E o local nem se compunha como o <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira fazenda, mas<br />
só “um reposto, um currais-<strong>de</strong>-gado”. “Aqui era umas araraquaras. A Terra do<br />
Boi-Solto”. Nele surgiu a figura carismática <strong>de</strong> Manuelzão, alcunha real <strong>de</strong><br />
homem rústico das li<strong>de</strong>s sertanistas, e que comandara excursão do escritor aos<br />
rincões mineiros, no acompanhamento <strong>de</strong> uma boiada. Essa figura não saiu da<br />
vida real para a ficção, mas <strong>de</strong>sentranhou-se das páginas daquela novela para o<br />
contexto rosiano que lhe <strong>de</strong>u notorieda<strong>de</strong>. O homem agigantado, com traços<br />
característicos bem <strong>de</strong>finidos, perfil nobre e barba respeitável, movimentava-se<br />
com <strong>de</strong>sembaraço nos meios culturais que o requisitavam para entrevistas. E<br />
ele era <strong>de</strong>senvolto no falar, espontâneo nas palavras e expressões encontradiças<br />
no texto <strong>de</strong> Rosa. E a estória era a da festa. Com dois dias <strong>de</strong> antecedência, o<br />
povo <strong>de</strong> todas as beiradas já chegava. Traziam <strong>de</strong> tudo, aqueles crentes, alguns<br />
estranhos, que antes mesmo <strong>de</strong> apear <strong>de</strong> seus cavalos, já louvavam os santos e a<br />
Virgem, em altos brados. Vinham aleijados, vultos ciganos, más mulheres,<br />
lindas moças. E se arranchavam na casa e na aba da casa <strong>de</strong> Manuelzão, on<strong>de</strong><br />
sempre cabia mais um. Ali era a Samarra, que não pertencia ao vaqueiro, pois<br />
ele trabalhava para o seu Fe<strong>de</strong>rico Freyre, que não aparecia nas suas terras,<br />
proporcionando com sua ausência força e domínio aparente a Manuelzão. O<br />
ruim é que o festeiro estava com um machucado no pé, e por esta razão quase<br />
não <strong>de</strong>smontava. O homem não se casara, mas a providência <strong>de</strong>ra-lhe um filho<br />
natural, “nascido <strong>de</strong> um curto acaso”, lá no Porto Andorinhas, cidadão que era<br />
casado e tinha sete meninos, e se chamava A<strong>de</strong>lço <strong>de</strong> Tal. Manuelzão foi<br />
buscá-lo e ele veio com todos. Era a <strong>de</strong>cepção da família: preguiçoso e lerdaço,<br />
mas com a garantia <strong>de</strong> ter escolhido a melhor e mais nobre das mulheres: a<br />
Leonísia.