guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 27<br />
Seu posto na Colômbia também foi bastante agitado pelas conturbações<br />
políticas do país. Ele nos escrevia falando <strong>de</strong> sua vida e <strong>de</strong> seu trabalho, mas<br />
sempre com o tempero da graça e do humor, para minimizar o perigo das<br />
contínuas greves e agitações que abalavam o povo.<br />
Voltando ao Brasil, foi convidado, por duas vezes, para ser o Chefe <strong>de</strong><br />
Gabinete do seu fraterno amigo João Neves da Fontoura, então Ministro das<br />
Relações Exteriores. Papai atuou com o costumeiro brilho, como Membro<br />
Especial da Delegação à Conferência da Paz, em Paris. E como Secretário<br />
Geral da IX Conferência Interamericana, em Bogotá.<br />
Nomeado Conselheiro <strong>de</strong> nossa Embaixada em Paris, logo que chegamos<br />
ele matriculou-me na Universida<strong>de</strong> Sorbonne e na Alliance Française, acompanhando<br />
os meus estudos com especial atenção, como sempre o fizera quando<br />
Agnes e eu estudávamos no Rio. Ele nos aconselhava a ler os autores que<br />
julgava melhores, nos presenteava com livros ótimos e nos aconselhava:<br />
“– É preciso muito estudo e muita leitura! Nada <strong>de</strong> namoro! Casamento, só<br />
<strong>de</strong>pois dos 40 anos!...”<br />
Ele sempre foi muito alegre e brincalhão e intercalava os momentos <strong>de</strong><br />
serieda<strong>de</strong> com seu senso <strong>de</strong> humor apurado.<br />
Quando morávamos em Paris, papai começou a escrever Gran<strong>de</strong> Sertão:<br />
Veredas. Assim que terminava uma página, pedia para que eu a lesse, algumas<br />
vezes atrasando meus compromissos sociais, à noite. Da primeira vez, apressada,<br />
passei os olhos no papel e elogiei: “– Está ótimo!” Ele então reclamou:<br />
“– Você não leu coisa alguma, Vilminha. Leia agora em voz alta.”<br />
Comentei com sincerida<strong>de</strong> que, realmente, lido em voz alta, o texto se<br />
realçava surgindo musical e entendível. Ele aprovou o meu comentário, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
então eu praticamente tinha que <strong>de</strong>clamar cada página. Até hoje, gosto <strong>de</strong> reler<br />
alguns trechos <strong>de</strong> seus livros, em voz alta. Fico fascinada pela sua musicalida<strong>de</strong>.<br />
Ao perguntar-lhe como conseguia escrever sobre o sertão sem conhecêlo,<br />
pois Cordisburgo on<strong>de</strong> ele nascera, e Itaguara on<strong>de</strong> clinicara durante algum<br />
tempo, não ficavam na zona sertaneja; e afinal, estávamos na França, tão longe<br />
do Brasil. Ele me respon<strong>de</strong>u, tocando na testa com a ponta do indicador:<br />
– Meu sertão é metafísico, Vilminha. Ele está aqui. Eu o crio e vou galopando,<br />
vivendo nele as minhas estórias.<br />
Portanto, a única vez em que meu pai visitou durante mais tempo o<br />
sertão, foi a convite do seu amigo, o jornalista e proprietário <strong>de</strong> jornais Assis<br />
Chateaubriand. Em Caldas do Cipó, na Bahia, formaram na Guarda-Vaqueira<br />
que foi ao aeroporto receber outro amigo, o Presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas. Ao