15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 25<br />

Foi para nós uma divina surpresa a noticia da chegada do navio, no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Pelo receio <strong>de</strong> sabotagem, havíamos ficado longo tempo sem<br />

notícias, e as famílias só foram avisadas quando o navio entrou na Baía <strong>de</strong><br />

Guanabara.<br />

Grupos foram levados <strong>de</strong> lanchas até perto do navio ancorado.<br />

Mamãe ergueu a Agnes nos braços, sendo imitada pelas outras mães, e<br />

eu subi na caixa do motor. Beijinhos se cruzavam no espaço, e ouvia-se, em<br />

uníssono: – Papai! Papai!<br />

Emocionante e enternecedor o reencontro das mulheres e crianças com<br />

os pais e maridos que não viam há quase dois anos! Lágrimas e risos se<br />

misturavam, eles no convés e nós, nas lanchas, recebendo-os com alegria.<br />

Relembraríamos nos anos futuros a sua chegada, que ele chamava <strong>de</strong><br />

milag<strong>rosa</strong>, pois para todos eles, a viagem fora ameaçada pelas dúvidas.<br />

Quando, no meu último aniversário que festejamos juntos, em junho do<br />

ano em que Deus o chamou, papai <strong>de</strong>u-me <strong>de</strong> presente suas duas ca<strong>de</strong>rnetas<br />

com anotações colhidas na Alemanha, ele fez um discursinho diante <strong>de</strong> todos<br />

ali presentes, dizendo que eu as merecia porque fora sempre muito interessada<br />

em sua vivência durante a guerra.<br />

Perguntei-lhe por que nunca as havia publicado, argumentando que tais<br />

anotações constituíam importante <strong>de</strong>poimento histórico. Papai, com sua<br />

habitual discrição, explicou-me que anotações íntimas lhe serviam <strong>de</strong> fonte, e<br />

que preferia não publicá-las. E acrescentou que naquelas ca<strong>de</strong>rnetas eu<br />

encontraria o complemento <strong>de</strong> seus relatos sobre os quais tanto gostávamos <strong>de</strong><br />

conversar.<br />

Estávamos, naquela noite, festejando meu aniversário em casa <strong>de</strong><br />

Chiquita Marcon<strong>de</strong>s Bernar<strong>de</strong>s, que esteve ligada afetivamente ao papai nos<br />

últimos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> sua vida, e que sempre se manteve discreta, apesar <strong>de</strong> ter<br />

sido importante para ele, não só pela compreensão com que o recebia em sua<br />

aconchegante casa no Alto Leblon, como também pela sua inteligência<br />

brilhante, com quem ele gostava <strong>de</strong> conversar. Foi a única amiga que ele<br />

apresentou à nossa família, e vovó Chiquitinha, mãe <strong>de</strong> meu pai, se hospedou<br />

conosco várias vezes na fazenda que Chiquita possuía no Estado do Rio. Agnes<br />

e eu lhe somos gratas pela paz e alegria que ela <strong>de</strong>dicou ao papai, principalmente<br />

nos seus últimos meses, quando ele se mostrava <strong>de</strong>primido, talvez<br />

pressentindo um fim muito próximo. Agnes a chama <strong>de</strong> “amor <strong>de</strong> outono” do<br />

papai. E o mais interessante é a semelhança <strong>de</strong> Chiquita com mamãe, física e<br />

intelectualmente... Realmente, conforme ele me explicou, “o coração sabe<br />

pulsar direitinho, amores diferentes”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!