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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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A inquietante estranheza em A Terceira Margem do Rio ___________________________ Marco Aurélio Baggio 71<br />

“Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura;”<br />

Tempos <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>sistida “Nossa mãe terminou indo também, <strong>de</strong> uma<br />

vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida.” A mãe cumpre a sina <strong>de</strong><br />

porcentagem <strong>de</strong> mulheres que acolhem o sexo do homem, procriam e, lá um<br />

dia, são abandonadas por ele, com a prole.<br />

As mulheres são tratadas, muitas vezes, como um belo complemento. Os<br />

homens fazem o que querem, no fim e ao cabo.<br />

Po<strong>de</strong>-se agora examinar a terceira margem do rio comparando-o com<br />

alguns mitologemas.<br />

Noé recebeu aviso do próximo dilúvio e o mandato <strong>de</strong> construir a arca. O<br />

pai não recebeu nenhuma revelação profética. Apenas teve o insight, a iluminação<br />

súbita <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via uma morte à natureza. E <strong>de</strong>cidiu cumpri-la.<br />

Caronte é o barqueiro autorizado a transportar as almas dos mortos em<br />

sua barca pelo rio Aqueronte, que era a porta <strong>de</strong> entrada dos infernos. O pai<br />

transportava apenas a si mesmo em um rio largo e comum.<br />

Apenas que, é bom lembrar, todo rio em Guimarães Rosa possui três<br />

margens.<br />

Ulisses, o Odisseu navegador, cometeu uma enorme seqüência <strong>de</strong> peripécias<br />

e participou <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> aventuras. Suas navegações caracterizam pela<br />

intencionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir sempre adiante, numa constante impermanência. O pai é<br />

bem mais p<strong>rosa</strong>ico. Sua peripécia envolve apenas a si e ao filho, subsidiariamente.<br />

Sua odisséia é mínima, porém mais perturbadora e inquietante.<br />

Iô, a peregrina transformada em novilha por Zeus, seu amante, <strong>de</strong>u nome<br />

ao golfo <strong>de</strong> Jônio e ao Bósforo – “Passagem da vaca” – em suas andanças<br />

tentando fugir das perseguições <strong>de</strong> Hera, ciumenta esposa <strong>de</strong> Zeus, pouco tem a<br />

ver com a monomania fluvial do Pai. Des<strong>de</strong> Millôr Fernan<strong>de</strong>s, sabe-se que Bos/<br />

Ox significa boi; Foro/Ford é estreito. Assim, Bósforo e Oxford é o estreito do<br />

boi ou, mitologicamente, a passagem da vaca Iô.<br />

Prometeu, o façanhudo raptor do fogo dos <strong>de</strong>uses e doador do fogo aos<br />

homens, era “aquele que pensa antes <strong>de</strong> cometer o feito.” Nisso, o pai certamente<br />

equivale a este herói da mitologia grega.<br />

Por fim, uma <strong>de</strong>ida<strong>de</strong> simbólica grega – Tánatos – personificava o fim da<br />

existência humana. Tánatos ou a Morte é a representação da reintegração do ser<br />

no poço ctônico cósmico, retornando, átomo por átomo, ao repositório da mãenatureza.<br />

Tánatos expressa o <strong>de</strong>smantelamento das formas, em um catabolismo<br />

em dissolução, num retorno ao estado seminal da existência.<br />

É nesse sentido que, certamente, o pai fora possuído pela iluminação<br />

súbita <strong>de</strong> que chegara o momento <strong>de</strong> postar-se em A terceira margem do rio.

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