guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
52 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
doença das pessoas. Um homem gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>susado <strong>de</strong> bonito, alto, alegre,<br />
mesmo sendo roceiro assim, mais “parecia <strong>de</strong>sinventado <strong>de</strong> uma estória”. E<br />
animava o garoto, que se julgava à beira da morte: “Miguilim – bom <strong>de</strong> tudo é<br />
que tu tá: levanta, levanta, ligeiro e são, Miguilim...” Sentia- se livre do mal, e<br />
ouvia o homem instruir o pai: “Tísica nem não dá nestes gerais, o ar aqui não<br />
consente, seo Berno!”. Isso tudo <strong>de</strong>pois da visita do seo Deográcias, outro<br />
conhecedor dos segredos das curas, mas que se escusava <strong>de</strong> ensinar a Miguilim<br />
as letras e os números.<br />
E buscamos em altos relevos da narrativa a <strong>de</strong>sesperança do personagem<br />
mirim da novela, quando adoeceu seriamente seu idolatrado irmãozinho, Dito,<br />
que pisara, <strong>de</strong>savisado, em um caco <strong>de</strong> vidro, e contraíra o tétano. E então se<br />
finou o pequenino, irmão <strong>de</strong> Miguel, Miguilim, que ficou ferido <strong>de</strong> morte no<br />
seu peito amoroso. “Pai <strong>de</strong>senrolou a re<strong>de</strong>zinha <strong>de</strong> buriti. Mas aí Mãe exclamou<br />
que não, queria o filhinho <strong>de</strong>la no lençol <strong>de</strong> alvura”.<br />
As novelas apresentam um narrador onisciente. Vezes, oferecem a palavra<br />
<strong>de</strong> primeira pessoa a um e outro personagem do enredo. E as vozes se<br />
alternam.<br />
Com sincerida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos afirmar que o livro, (tal como apareceu em<br />
sua 2ª. edição, em 1960, e é a <strong>de</strong> que nos valemos), perfazendo 513 páginas, na<br />
soli<strong>de</strong>z gráfica, sem <strong>de</strong>senhos ou fotos, tira-nos um pouco o fôlego, <strong>de</strong>snorteianos<br />
nesse universo <strong>de</strong> rusticida<strong>de</strong> quase irreal. Estamos, porém, <strong>de</strong>cididos a<br />
enveredar por essas brenhas rosianas. Não sabemos, <strong>de</strong> início, em que pegar, no<br />
que tomar para estudo. É <strong>de</strong> preencher-se a cabeça, com tantas e quantas idéias.<br />
Temos o ar, as árvores, os bichos do mato e os pássaros; seus cantos e gorjeios,<br />
a brutalida<strong>de</strong> do homem contra o ser vivente irracional; a faina bestial do<br />
trabalhador da terra e das coisas da terra, quando, ao contrário, ressurge a<br />
beleza do cenário que o meio inculto oferece; a rotina incansável do servidor<br />
que nasce e morre <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino já traçado. Descobre-se a euforia do<br />
autor, sempre encantado com a palmeira <strong>de</strong>marcadora <strong>de</strong> território <strong>de</strong> suas<br />
estórias: o buriti. Estas árvores firmam-se altaneiras, em fila quase indiana,<br />
abeirando-se <strong>de</strong> lagoas e charcos, ou nascidas ali mesmo, por força da corrente<br />
que as traz cativas. Sobreleva-se o Buriti gran<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ixou nome forte em<br />
novela que fecha o livro. Depois <strong>de</strong>sta, “Cara <strong>de</strong> Bronze” se insinua, mas já em<br />
outras roupagens: é uma peça teatral autêntica, com solertes diálogos e<br />
cantorias. Em gran<strong>de</strong> parte das <strong>de</strong>mais novelas ou contos, ou poesias, como os<br />
quer o autor, até mesmo romances, o lirismo dos compositores pastoris faz-se<br />
presente. E as intenções postas em terceira dimensão, <strong>de</strong> outros idiomas e <strong>de</strong><br />
outras gentes, na erudita memória <strong>de</strong> Rosa, enriquecem a obra.