15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

214 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />

Em contraste com o Eu Coletivo oriental, o Oci<strong>de</strong>nte revelará o mistério<br />

interior da personalida<strong>de</strong> individual. Conforme as citações anteriores – a <strong>de</strong><br />

Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e a <strong>de</strong> Jacques Maritain – o dogma cristão <strong>de</strong> um Deus que<br />

se fez homem e a idéia da salvação como conquista única e pessoal foram<br />

<strong>de</strong>cisivos para essa mudança <strong>de</strong> perspectiva na visão do lugar ocupado pela<br />

pessoa humana no mundo. O processo foi lento, diversificado e Maritain<br />

divi<strong>de</strong>-o em quatro fases, indo dos primórdios do cristianismo aos tempos<br />

atuais.<br />

Na primeira fase da arte oci<strong>de</strong>ntal analisada por Maritain, correspon<strong>de</strong>nte<br />

a um período que culmina na arte bizantina e se esten<strong>de</strong> até à arte medieval, a<br />

pessoa humana aparece ainda como um objeto no mundo das Coisas. Mas<br />

torna-se transcen<strong>de</strong>nte a esse mundo – um objeto glorificado, em mosaicos<br />

grandiosos, na figura <strong>de</strong> Cristos <strong>de</strong> uma realeza impressionante. A pessoa<br />

humana apresenta-se transfigurada por uma simbologia dogmática, intelectualizada<br />

e concretizada em imagens sagradas. A divinda<strong>de</strong> do Cristo domina sua<br />

figura humana e a visão do homem retratado pelos artistas espelha-se nesse<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> glorificação. A pessoa humana torna-se “assunto”, mas nela percebe-se<br />

o <strong>de</strong>sapego do corpo e da vida terrestre em proveito da vida da alma criada para<br />

a eternida<strong>de</strong>; e seu retrato exprime-se em figuras planas, sem relevo, em<br />

<strong>de</strong>senho esquemático. As roupagens e o fundo do quadro se prodigalizam em<br />

arabescos e linhas <strong>de</strong>corativas caprichosas, repletos <strong>de</strong> motivos sagrados como<br />

as folhas da parreira e os peixes – criptograma <strong>de</strong> Cristo, já que as primeiras<br />

letras da expressão grega “Jesus Cristo, filho <strong>de</strong> Deus Salvador”, formavam a<br />

palavra ichthýs. Os mosaicos <strong>de</strong> pedra ou <strong>de</strong> vidro colorido criam uma <strong>de</strong>coração<br />

policrômica exuberante que, nas igrejas, quase sempre converge para o<br />

altar, para on<strong>de</strong> conduz a atenção dos fiéis. As figuras humanas, reduzidas a<br />

formas <strong>de</strong>corativas, ignoram a realida<strong>de</strong> física e tornam-se pura abstração.<br />

Na segunda fase, época da arte gótica e <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis, o<br />

aspecto humano vai marcar a face do Cristo anteriormente divinizado e<br />

glorioso. Nessa arte, ainda profundamente religiosa, valoriza-se o sofrimento<br />

do Re<strong>de</strong>ntor, sua dor física, sua dolo<strong>rosa</strong> condição <strong>de</strong> homem. As catedrais<br />

enfeitam-se com a vida humana retratada nos seus afazeres diários, seus artífices,<br />

seus mercados, com todas suas ativida<strong>de</strong>s sacralizadas. A natureza<br />

comparece com seus frutos, flores e animais. A arte gótica nasceu com as<br />

cida<strong>de</strong>s em cujo centro, a Catedral, realiza-se a maior parte das ativida<strong>de</strong>s<br />

humanas. A construção do templo unia o sentimento religioso ao orgulho cívico<br />

e as cida<strong>de</strong>s disputavam, em rivalida<strong>de</strong> acirrada, a altura <strong>de</strong> suas abóbadas, com<br />

a participação ativa <strong>de</strong> seus habitantes. O gótico apresenta-nos, assim, um

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!