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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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94 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />

Assim termina o conto, on<strong>de</strong>, entre todas as personagens importantes, só<br />

Silivana, o móvel do crime, não sofre mudança. Enquanto o marido valentão<br />

Turíbio Todo é assassinado pelo capiau Timpim Vinte-e-um, o amante<br />

Cassiano Gomes morre doente, assistido por médico e padre, <strong>de</strong>sfazendo-se<br />

então o triângulo amoroso. Já Timpim, o capiauzinho com cara <strong>de</strong> bobo,<br />

<strong>de</strong>saparece nas últimas linhas da narrativa sem que se saiba o seu <strong>de</strong>stino. Fácil<br />

é, porém, adivinhá-lo. Talvez Timpim vá ao encontro da mulher com o filho<br />

recém-nascido, para caírem no mato antes que o prendam, talvez vá gastar com<br />

as mezinhas da botica o dinheiro que lhe <strong>de</strong>u Cassiano Gomes na hora <strong>de</strong><br />

morrer. Não se sabe. Para Timpim, o final é aberto.<br />

Só Silivana, eu dizia, não sofre mudança. Reiteradamente é evocada no<br />

conto sempre por um só traço físico, os olhos, que eram gran<strong>de</strong>s e pareciam <strong>de</strong><br />

cabra tonta, e que <strong>de</strong>viam impressionar, ou melhor, subjugar tanto o marido<br />

quanto o amante. Observe-se a maestria com que Guimarães Rosa, através da<br />

reiteração, nos dá conta <strong>de</strong>sse traço da beleza <strong>de</strong> Silivana e da paixão dos dois<br />

homens por ela. O marido Turíbio Todo, ao <strong>de</strong>scobrir o adultério, logo o aceita<br />

graças aos belos olhos da mulher: Nem por sonhos pensou em exterminar a<br />

esposa (Dona Silivana tinha gran<strong>de</strong>s olhos bonitos, <strong>de</strong> cabra tonta) (p. 142):<br />

Algumas páginas <strong>de</strong>pois, lê-se que o marido (...) estava com sauda<strong>de</strong>s da<br />

mulher, Dona Silivana – aquela mesma, que tinha belos olhos gran<strong>de</strong>s, <strong>de</strong><br />

cabra tonta (p. 147). Quanto a Cassiano Gomes, o amante, diz o narrador: (...)<br />

Cassiano continuava se encontrando com a mulher fatal da história, aquela<br />

mesma que tinhas olhos cada vez maiores, mais pretos e mais <strong>de</strong> cabra tonta<br />

(p. 157). Voltando ainda ao marido, reitera o narrador pela última vez: (...)<br />

estava com pressa, porque Dona Silivana tinha olhos bonitos, sempre gran<strong>de</strong>s<br />

olhos, <strong>de</strong> cabra tonta (p. 163).<br />

Assim, nas vinte e nove páginas do conto, da décima edição, por quatro<br />

vezes mencionam-se os belos olhos <strong>de</strong> cabra tonta da personagem feminina,<br />

que se tornam, por esse procedimento, um dos motivos poéticos ou um<br />

Leitmotiv da narrativa.<br />

Esse fato nos parece comprovar o domínio da arte <strong>de</strong> narrar que tinha<br />

Guimarães Rosa, da mesma forma que o comprovam as várias expressões<br />

metalingüísticas com que o autor vai monitorando a nossa leitura. Logo no<br />

início do conto, por exemplo, Guimarães Rosa nos apresenta Turíbio Todo,<br />

com todos os seus <strong>de</strong>feitos, e termina o primeiro parágrafo por uma oração<br />

adversativa, contendo um sintagma adverbial – no começo <strong>de</strong>sta história – que,<br />

ao sugerir o <strong>de</strong>senrolar do tempo, também nos faz esperar por mudanças e<br />

surpresas: Mas, no começo <strong>de</strong>sta história, ele estava com a razão (p. 139).

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