guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Os Jagunços e o Rio do Chico no Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas _______________________________ Letícia Malard 39<br />
nome já <strong>de</strong>signava, em 1826, a atual região da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Francisco Sá, que<br />
sofreu as seguintes transformações: poucos anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 26 se torna distrito<br />
<strong>de</strong> Minas Novas; <strong>de</strong>pois, freguesia, sob jurisdição <strong>de</strong> Grão Mogol, com o nome<br />
<strong>de</strong> São Gonçalo do Brejo das Almas. Em 1923, passa a município, chamado<br />
apenas <strong>de</strong> Brejo das Almas. A partir <strong>de</strong> 1938, é conhecida por Francisco Sá, em<br />
homenagem ao ilustre mineiro, político da República Velha. (10)<br />
Todavia, essa evolução pouco ajuda a <strong>de</strong>svendar a duração do narrado.<br />
Se, como vimos, Brejo das Almas se torna Francisco Sá em 1938, isso não<br />
significa que a narrativa po<strong>de</strong>ria passar-se até àquele ano. O cotidiano nos<br />
ensina que a mudança <strong>de</strong> um topônimo não garante o seu uso pela população.<br />
Sempre nos <strong>de</strong>frontamos com logradouros que continuam sendo chamados por<br />
suas <strong>de</strong>signações antigas, muitas vezes ignorando-se as novas. Se isso ocorre<br />
no real, imagine-se no ficcional.<br />
Esses dados parecem comprovar que está correto dizer que a ação<br />
completa do romance po<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> qualquer ponto do século XIX ou do<br />
XX, até praticamente ao ano anterior à publicação, em 1958. Existem pesquisadores<br />
que já queimaram as pestanas na tentativa <strong>de</strong> se estabelecerem datas,<br />
mas certeza absoluta ninguém tem, não só <strong>de</strong> quando se passa o romance mas<br />
também do período em que foi escrito. (11) Devido a essas imprecisões, os<br />
contestadores da or<strong>de</strong>m política estabelecida – os jagunços, no caso – foram<br />
tidos por alguns estudiosos como esquerdistas, ao passo que as forças<br />
repressoras seriam direitistas. Por isso afirmamos que Sim, quanto aos jagunços<br />
serem “<strong>de</strong> esquerda”, e os soldados serem “<strong>de</strong> direita”, uma vez que essa<br />
nomenclatura se originou na Revolução Francesa, mas não conseguimos<br />
verificar quando começou a ser usada no Brasil. (12)<br />
A favor do Não, quer dizer, que estar na margem esquerda ou na direita<br />
do rio não tem simbologia política, pesa o fato <strong>de</strong> que o binarismo “esquerda”<br />
versus “direita” po<strong>de</strong> ter um significado mais amplo, menos redutor se<br />
comparado ao sentido político dos termos. E ainda: os jagunços não são pobres<br />
revolucionários, em sentido estrito; vários <strong>de</strong>les são homens ricos, políticos<br />
“<strong>de</strong>spolitizados”, proprietários <strong>de</strong> terras e entraram para o bando com o<br />
objetivo <strong>de</strong> enriquecer-se mais ainda. Portanto, não nos parece a<strong>de</strong>quado<br />
aplicar-lhes um rótulo que os caracterize como conservadores ou progressistas,<br />
politicamente falando. Vamos examinar mais aprofundadamente o binarismo,<br />
porém antes abor<strong>de</strong>mos questões <strong>de</strong>finitórias <strong>de</strong> “jagunço”.<br />
Em Guimarães Rosa, ser jagunço é rebelar-se contra o sistema políticoeconômico,<br />
qualquer que seja ele. É posicionar-se contra o governo, também<br />
qualquer que seja ele. É viver perigosamente: “viver é muito perigoso” – um