guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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João Guimarães Rosa, meu pai _______________________________________________ Vilma Guimarães Rosa 31<br />
sonhos, telepatia, intuição, série <strong>de</strong> acontecimentos fortuitos interligados, toda<br />
sorte <strong>de</strong> avisos e pressentimentos.<br />
Declarou também que muitos <strong>de</strong> seus contos eram sonhados por ele,<br />
antes <strong>de</strong> escritos. Segundo as suas próprias palavras eles o perseguiam, com<br />
insistência, na ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem escritos. Definiu o mistério da inspiração<br />
como um divino estado <strong>de</strong> transe, assim como o dom da criativida<strong>de</strong>.<br />
Ele buscava sempre uma introvisão da linguagem, a radiografia das<br />
palavras. Brincava com os sentidos vários <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>ixando em<br />
Tutaméia muitos exemplos. Experimentava. Recolhia um plural <strong>de</strong> idéias numa<br />
frase só, e, mesmo, numa só palavra. O aparente e o pesquisável, misturados<br />
entre o pensamento e as letras.<br />
– Por que não houve Segundas Estórias? – quis eu saber, já que das<br />
Primeiras Estórias, uma coletânea <strong>de</strong> 21 contos curtos, verda<strong>de</strong>iros poemas em<br />
p<strong>rosa</strong>, ele saltara para Tutaméia, Terceiras Estórias.”<br />
Ele fez uma <strong>de</strong> suas costumeiras expressões <strong>de</strong> mistério e explicou:<br />
– É para provocar a curiosida<strong>de</strong> do leitor!”<br />
Meu pai tinha um gran<strong>de</strong> interesse nas realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um mundo imaterial<br />
e no significado da criação.<br />
Sempre procurou a conexão entre o visível e o invisível. E sua filosofia<br />
pessoal está sempre presente em suas obras. Durante toda a sua vida, meditou<br />
profundamente sobre a eternida<strong>de</strong>.<br />
Numa bela carta escrita ao Dr. Joaquim Montezuma <strong>de</strong> Carvalho, famoso<br />
escritor português que morava na África, e que fez um profundo estudo <strong>de</strong> sua<br />
Obra, levando-a figurar em Les Écrivains Célèbres, publicado em Paris, há um<br />
trecho especial:<br />
“Quanto mais leio e vivo e medito, mais perplexo a vida, a literatura e a<br />
meditação me põem. Tudo é mistério. A vida é só mistério.”<br />
E mais adiante:<br />
“...À parte o que Cristo nos ensinou, só há meias verda<strong>de</strong>s...<br />
“Rezo, escrevo, amo, cumpro, suporto, vivo – mas só me interessando<br />
pela eternida<strong>de</strong>...<br />
“...Quando faço arte, é para que se transforme algo em mim, para que o<br />
espírito cresça.”<br />
Dr. Montezuma <strong>de</strong> Carvalho gentilmente enviou-me esta carta, há alguns<br />
anos. Gosto <strong>de</strong> relê-la e <strong>de</strong> meditar sobre a sua essência filosófica.<br />
Parafraseando o Padre Vieira, “O homem é sobretudo a sua Obra”.<br />
Em sua Obra, papai transmitiu a sua mensagem espiritual, a mensagem<br />
<strong>de</strong> sua vida.