guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Bracher, a arte e os enigmas entre o homem e o artista _________________________________ Mauro Werkema 227<br />
esplendor, dos quais o exemplo mais evi<strong>de</strong>nte é o classicismo vienense na<br />
música do século XVIII. Num intervalo <strong>de</strong> 65 anos, nascem quatro dos maiores<br />
gênios da música: Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert”. Herdado, aprendizado,<br />
estimulado pelo entorno que propicia o “insight”, o talento é tudo isto.<br />
É possível tentar encontrá-lo para qualificar a obra <strong>de</strong> arte?”<br />
Uma segunda or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pensamento encontra-se no que Bracher chama<br />
<strong>de</strong> “liberalismo original”, herança <strong>de</strong> sua formação familiar e essencial no seu<br />
modo <strong>de</strong> ver o mundo. Não é o liberalismo paternalista ou apenas generoso,<br />
que força a aceitação do contraditório por mera educação intelectual, mas algo<br />
<strong>de</strong> raiz, genuíno, autêntico, efetivamente exercido na sua plenitu<strong>de</strong>. Sem esta<br />
condição não há sensibilida<strong>de</strong> plena, condição difícil, quase inalcançável, neste<br />
mundo <strong>de</strong>sigual e estimulador do raciocínio discriminatório. Neste campo, é<br />
possível falar numa nova sensibilida<strong>de</strong>, a que surge com a “<strong>de</strong>sconstrução” que<br />
se opera em tudo. Desfazer-se <strong>de</strong> amarras, <strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong> preconceitos e modos<br />
clássicos <strong>de</strong> pensar, abrir-se para o novo, tornar-se espírito liberto, <strong>de</strong>ixar que a<br />
paixão se torne a libertação do que oprime.<br />
Aos que o conhecem, estes traços se tornam perceptíveis. E se revelam,<br />
em Bracher, no seu ato <strong>de</strong> pintar. Vê-lo é uma emoção. “Equivale a observar<br />
um médium incorporando espíritos: com movimentos circulares que esboçam<br />
quase-formas moduladas em sentido horário”, diz João Adolfo Hansen, em<br />
insuperável exegese da obra <strong>de</strong> Bracher. Em movimentos rápidos, resultantes<br />
<strong>de</strong> uma articulação miocinestésica, que comanda o braço energizado, sob<br />
estímulos <strong>de</strong> um cérebro movido a impulsos, tudo isto fazendo com que vá<br />
“irrompendo finalmente na tela, como uma aparição escapada da ponta <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>dos on<strong>de</strong> um corpo imaginário se concentra”. Revela-se, com concretu<strong>de</strong><br />
didática, o que é o talento. Po<strong>de</strong>-se perceber, a cada gesto, o admirável dom<br />
artístico. Suce<strong>de</strong>m-se as pinceladas, às vezes substituídas pela espátula e a<br />
própria bisnaga da tinta, em gestos aparentemente aleatórios e informais. Mas<br />
que, gradativamente, para encanto do observador, vão dando forma e vida,<br />
numa mágica combinação <strong>de</strong> cores. Hansen vai além: “Em vários documentários,<br />
aliás, é costume referir-se à profundida<strong>de</strong> meio misteriosa e incondicionada<br />
da experiência existencial do pintor, restituindo-se a disposta unida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sua psicologia como princípio causal e explicativo para o dinamismo <strong>de</strong> suas<br />
telas”. Conhecida e ressalvada a imensa, antiga e complexa discussão que a<br />
questão envolve, em Bracher, para Hansen, no entanto, não há dúvida <strong>de</strong> que<br />
“as intensida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas telas são vestígios <strong>de</strong> <strong>de</strong>scargas pulsionais”. E avança:<br />
“Se falasse, aqui a pintura diria o “não tenho palavras”, do mito romântico do<br />
indizível”.