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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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138 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />

Por ela, os homens te conhecerão;<br />

por ela, os tempos versáteis saberão<br />

que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente,<br />

quando por ele andou teu coração.<br />

Abramos o ouvido, acendamos o coração e a mente: a canção – pássara<br />

voando – “pousa” sobre “espetáculos infatigáveis”. Que po<strong>de</strong> significar, para a<br />

lógica cartesiana, uma expressão <strong>de</strong>ssas? Claro que não estamos com os pés no<br />

chão, no plano da geometria euclidiana. Canções que voam, canções sonoras ou<br />

silenciosas – esses realismos ou irrealismos pouco importam ao poeta “encantado”,<br />

que anda no mundo <strong>de</strong> outras “essências”. O mundo das realida<strong>de</strong>s<br />

terrestres terra-a-terra nos apresenta, contudo, “espetáculos infatigáveis”. Esses<br />

espetáculos po<strong>de</strong>m ser “infatigáveis”, mas os espectadores talvez precisem <strong>de</strong><br />

uma pausa. A pausa e o pouso da canção. Canção, “flor do espírito” – vinda <strong>de</strong><br />

um mundo escondido, mas substancial e indispensável, que o poeta está<br />

encarregado <strong>de</strong> trazer aos outros homens, sem querer “catequizá-los”, no mau<br />

sentido da palavra. Ela vem “<strong>de</strong>sinteressada e efêmera”. O “efêmero” é o<br />

“instante”, o que “insta”, o que está aqui. No velho e riquíssimo grego,<br />

eph’émeros vem <strong>de</strong> epi + heméra = <strong>de</strong> um dia, do que não dura mais <strong>de</strong> um<br />

dia. Apesar <strong>de</strong>ssa frágil transitorieda<strong>de</strong>, “por ela, os homens te conhecerão; /<br />

por ela, os tempos versáteis saberão/ que o mundo ficou mais belo, ainda que<br />

inutilmente/ quando por ele andou teu coração”.<br />

“Ainda que inutilmente”. A inutilida<strong>de</strong> da beleza... Aristóteles falava da<br />

“inutilida<strong>de</strong> da metafísica”, no sentido que ela não é utilitária e, sim, gratuita,<br />

acima dos interesses imediatos, da eficiência do útil. Nosso Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>,<br />

ou seja, o Dr. Alceu Amoroso Lima tem uma página bonita e instigante sobre a<br />

importância das coisas aparentemente <strong>de</strong>simportantes. Certo escritor oriental<br />

contou um dia uma espécie <strong>de</strong> parábola, lembra T. <strong>de</strong> A. no 2º volume <strong>de</strong> seus<br />

Estudos. “No meio da mata virgem, uma admirável cascata. Chega um hindu e,<br />

contemplando aquela maravilha, mergulha-se em meditações tão transcen<strong>de</strong>ntes<br />

que se esquece <strong>de</strong> olhar para a cascata. Chega um chinês e, tão encantado<br />

se sente, que vai logo procurar uns amigos para, em companhia <strong>de</strong>les,<br />

melhor apreciar a beleza das águas. Chega, afinal, um oci<strong>de</strong>ntal e exclama<br />

logo: ‘Ah! Mas que pena! Uma força <strong>de</strong>ssas aqui <strong>de</strong>saproveitada! Quantos<br />

cavalos-vapor não daria!” (9) E Tristão comentava: “Julgo que nenhum leitor,<br />

imitando nosso compatriota [oci<strong>de</strong>ntal], acredite ainda na inutilida<strong>de</strong> das coisas<br />

inúteis.” Infelizmente, é provável que haja mais incrédulos e ateus da <strong>de</strong>usa<br />

Beleza pura do que imaginava o generoso cérebro do Dr. Alceu. Mas

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