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legitimidade de qualquer decisão particular possa ser avaliada. No entanto,
agora são usados para tomar partido em controvérsias políticas. E como
ninguém que faz uso da concepção, até onde posso ver, jamais se pergunta
como um direito pode ser justificado, não posso deixar de pensar que essas
pessoas têm tanta confiança na noção de direito quanto Jeremy Bentham.
Contudo, ao assumir o modo de limitação da doutrina dos direitos que
sugeri, podemos começar a explorar uma distinção vital nos assuntos
humanos, entre aqueles que são governados pela justiça e aqueles que
dependem de algum outro tipo de elo entre as pessoas. Aristóteles definia a
justiça como dar a cada um o que é seu. Em outras (e mais modernas)
palavras, a justiça significa respeitar os direitos e os méritos. Ela é a
restrição de um lado nas relações humanas que governam os nossos
empreendimentos cooperativos. É uma propriedade de ações e omissões
humanas, e é compreendida amplamente de forma negativa, por meio das
várias maneiras em que cometemos injustiças — um ponto que é
claramente explicado por Adam Smith e também por Kant. Cometo uma
injustiça quando ultrapasso ou ignoro a soberania do outro, ao recusar
reconhecer seus direitos e seus méritos em um assunto que o preocupa —
por exemplo, ao obrigá-lo ou impedi-lo de explicar seu raciocínio, ou
fraudá-lo através de mentiras e truques. Em uma passagem célebre da
Fenomenologia do espírito, a qual já me referi, Hegel sugere que em todos
nós há uma espécie de resíduo das relações de dominação e servidão, e que
a nossa disposição em buscar o encontro eu-você, no qual acordo livre e
reconhecimento aberto do outro substituem a ditadura, surgiu e mantém os
traços da “luta da vida e morte” que precedeu o surgimento da negociação e
da lei. Esse pensamento de Hegel (que aparece no relato do sacrifício feito
por Girard discutido brevemente no capítulo 1) me parece completamente
convincente, e um modo de expressá-lo é afirmar que a justiça é o
cumprimento da liberdade humana — a forma das relações humanas em
que as obrigações são tomadas livremente, e objetivamente ligadas por essa
mesma razão. E vencemos por meio da justiça ao adotar, em nossos acordos
mútuos, o ponto de vista do juiz imparcial.