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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Aquela inevitável extinção final

Aonde vamos nos perder pra sempre. Não estar

Aqui, não estar noutro lugar,

E em breve: nada mais terrível e real.

Esse é um tipo especial de medo, a que trapaça

Nenhuma anula. A religião se empenhou nisto,

Vasto brocado musical roído de traça,

Criado pra fingir que não se morre…

[Trad. de Alípio Correia de Franca Neto]

A extinção do sujeito, para que apenas o objeto permaneça, nos confunde e

nos perturba. De certa forma, no nosso próprio caso, é algo inimaginável. A

morte é uma fronteira que não tem um outro lado, e esse é o nada que

Larkin tanto teme, com o medo adicional de não ter nenhum truque para

perceber isso, uma vez que todos os truques pertencem a este lado da

fronteira. d

Mas a morte do outro é também misteriosa. A intencionalidade ampliada

que nos une ao nosso mundo encontra aqui uma porta fechada e bate contra

ela sem resposta. O corpo morto diante de mim não é mais o outro, mas um

objeto que pertence a ele. Temo tocá-lo, sabendo que devo tratá-lo com

reverência, já que pertence a um outro que desapareceu. É a prova do seu

vazio e um aviso que acontecerá o mesmo comigo. Por isso, os corpos dos

mortos são apartados para serem honrados. Eles são presentes recebidos por

aqueles que os abandonam, agora dados de volta, cedidos pela comunidade

em um ato coletivo de sacrifício. Esse abandono dos mortos é, para os

vivos, um dever: no livro 11 da Odisseia, o espírito de Elpenor, que caiu do

teto do palácio de Circe, implora a Odisseu que retorne ao lugar de sua

morte e que lhe dê uma cerimonia fúnebre, impedindo que o seu corpo fique

“sem choro e sem descanso” (ἂκλαυτον ἄθαπτον). O corpo morto é um

objeto que fala completamente do nada: é um sinal de outra ordem, em que

as coisas vêm ao mundo por um decreto e são tragadas sem uma causa.

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