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O que quero dizer pode ser esclarecido por um exemplo. Suponha que
um computador está programado para “ler”, como dizemos, um input
codificado digitalmente, que é traduzido em pixels, produzindo a exibição
do retrato de uma mulher em sua tela. Para descrever esse processo, não
precisamos nos referir à mulher no retrato. O processo inteiro pode ser
descrito em termos do hardware que traduz os dados digitais em pixels, e o
software, ou algoritmo, que contém as instruções para realizar isso. Não há
a necessidade, muito menos o direito, neste caso, de usar conceitos como os
de ver, pensar, observar, ao descrever o que o computador está fazendo;
nem temos a necessidade ou o direito de descrever a coisa observada no
retrato como se estivesse desempenhando algum papel causal, ou qualquer
papel, na operação do computador. É claro que nós vemos a mulher no
retrato. E, para nós, o retrato contém informações bastante diferentes do que
está codificado nas instruções digitais para produzi-la. Ele transmite
informações sobre uma mulher e como é a sua aparência. É impossível
descrever esse tipo de informação sem o uso de uma linguagem intencional
— uma linguagem que descreve o conteúdo de certos pensamentos em vez
do objeto aos quais esses pensamentos se referem.
Tomemos como exemplo a famosa pintura de Botticelli, O nascimento
de Vênus. Você sabe muito bem que não há tal cena na realidade como a
que está sendo descrita, que não há tal deusa como Vênus, e que essa
imagem inesquecível é uma imagem de algo irreal. Mas ela está lá, apesar
de tudo. Na verdade, existiu uma mulher real que foi a modelo de Botticelli
— Simonetta Vespucci, a amante de Lourenço de Medici. Mas o quadro não
é de ou sobre Simonetta. Ao olhar para ele, você está olhando para uma
ficção, e isso é algo que você sabe, e algo que, independentemente das
condições da sua interpretação, pode dar-lhe um significado. Ela é a deusa
do amor erótico — mas na versão erótica de Platão, segundo a qual o desejo
nos chama para além do mundo das ligações sensuais, rumo à forma ideal
do belo (que era, incidentalmente, o que Simonetta significava para
Botticelli). Esse quadro nos ajuda a tornar a teoria de Platão tanto clara
como verossímil — é uma obra de pensamento concentrado que muda, ou