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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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O que quero dizer pode ser esclarecido por um exemplo. Suponha que

um computador está programado para “ler”, como dizemos, um input

codificado digitalmente, que é traduzido em pixels, produzindo a exibição

do retrato de uma mulher em sua tela. Para descrever esse processo, não

precisamos nos referir à mulher no retrato. O processo inteiro pode ser

descrito em termos do hardware que traduz os dados digitais em pixels, e o

software, ou algoritmo, que contém as instruções para realizar isso. Não há

a necessidade, muito menos o direito, neste caso, de usar conceitos como os

de ver, pensar, observar, ao descrever o que o computador está fazendo;

nem temos a necessidade ou o direito de descrever a coisa observada no

retrato como se estivesse desempenhando algum papel causal, ou qualquer

papel, na operação do computador. É claro que nós vemos a mulher no

retrato. E, para nós, o retrato contém informações bastante diferentes do que

está codificado nas instruções digitais para produzi-la. Ele transmite

informações sobre uma mulher e como é a sua aparência. É impossível

descrever esse tipo de informação sem o uso de uma linguagem intencional

— uma linguagem que descreve o conteúdo de certos pensamentos em vez

do objeto aos quais esses pensamentos se referem.

Tomemos como exemplo a famosa pintura de Botticelli, O nascimento

de Vênus. Você sabe muito bem que não há tal cena na realidade como a

que está sendo descrita, que não há tal deusa como Vênus, e que essa

imagem inesquecível é uma imagem de algo irreal. Mas ela está lá, apesar

de tudo. Na verdade, existiu uma mulher real que foi a modelo de Botticelli

— Simonetta Vespucci, a amante de Lourenço de Medici. Mas o quadro não

é de ou sobre Simonetta. Ao olhar para ele, você está olhando para uma

ficção, e isso é algo que você sabe, e algo que, independentemente das

condições da sua interpretação, pode dar-lhe um significado. Ela é a deusa

do amor erótico — mas na versão erótica de Platão, segundo a qual o desejo

nos chama para além do mundo das ligações sensuais, rumo à forma ideal

do belo (que era, incidentalmente, o que Simonetta significava para

Botticelli). Esse quadro nos ajuda a tornar a teoria de Platão tanto clara

como verossímil — é uma obra de pensamento concentrado que muda, ou

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