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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Podemos ganhar alguma compreensão desse fenômeno se examinarmos

uma das primeiras reações à música, a dança. Dançar é se movimentar com

alguma coisa, consciente de que é isso o que você está fazendo. Você se

move com a música e também (em danças mais antigas) com o seu

companheiro (ou companheira). Esse “movimentar-se com” é algo que os

animais não podem fazer, pois envolve a imitação deliberada de atividade

intencional localizada em qualquer outro lugar além do seu próprio corpo.

Por sua vez, isso pede uma concepção do self e do outro, e da relação entre

eles — uma concepção, como já sugeri, que está indisponível fora do

contexto da consciência da primeira pessoa. Dizer isso não é negar a

coordenação muito marcante que pode existir entre os animais não

humanos. A habilidade da revoada de pássaros e do cardume de peixes para

mudarem repentinamente de direção, com cada pássaro e cada peixe

respondendo instantaneamente ao menor impulso do seu próximo, e todo o

movimento que ocorre como se fosse um único organismo são guiados por

uma única vontade — eis algo que inspira espanto e maravilhamento.

É justamente nesse ponto que os neurocientistas entram com a conversa

sobre os neurônios-espelhos, postulando um mecanismo que, de acordo

com alguns (por exemplo, Ramachandran), é a raiz da autoconsciência nas

pessoas. m Contudo, isso não tem sentido algum: não há uma

intencionalidade eu-você que conecte o peixe ao seu próximo no cardume, e

nenhum pássaro sentiu aquela estranha fascinação com o movimento

autossuficiente do outro, naquilo que foi transmitido por Shakespeare [aqui

em tradução livre]:

Quando tu provocas a dança, desejo-te

Uma onda do mar, para que tu faças

Nada além disso…

(Conto de Inverno, 4.4)

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