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a vida moral e, para os cristãos, a ocorrência mais vívida do sagrado é a
Eucaristia, que comemora o autossacrifício supremo do próprio Deus pelo
bem da humanidade. É a partir disso que aprendemos o caminho do perdão.
A aliança exige que cada pessoa honre suas obrigações e receba os seus
direitos. Mas ninguém tem direito ao perdão, e ninguém, no esquema da
aliança, é obrigado a oferecê-lo. Quando ele vem, o perdão chega como um
dom, um presente. É verdade que esse dom deve ser merecido. Mas isso
ocorre por penitência, pela contrição e pela expiação — atos que não podem
ser termos de um contrato, mas que, por si mesmos, devem ser dados se são
para reparar a falha acontecida. É dessa maneira que o momento de perdoar
leva à conclusão o processo que observamos na quase loucura de Abraão
em relação àquilo que estavam lhe pedindo para fazer. É o momento do
reconhecimento mútuo, quando duas pessoas deixam de lado o seu
ressentimento em favor de uma troca de doações.
Há uma distinção antiga na teologia cristã entre natureza e graça. Sem
examinar os argumentos intrincados que giram ao redor dessa distinção,
refiro-me, em vez disso, às minhas sugestões, feitas no último parágrafo, e
que indicam que as coisas necessárias à vida espiritual são dons,
apresentados a nós quando nos oferecemos. O sagrado nos chega quando,
no meio de todos os nossos cálculos, deixamos de lado a ordem da aliança e
vemos o mundo, a nós mesmos e a tudo o que nos foi dado como sinais da
graça de Deus, segundo as palavras dos cristãos.
É por isso que devemos ir além da ênfase de Girard na violência
sacrificial. Entre os momentos sagrados, o que ocorre de mais importante
são aqueles instantes em que a ideia de doar ultrapassa essa violência. Por
exemplo: há o momento de apaixonar-se. O amante experimenta a si mesmo
como alguém dependente do ser do outro e ligado a ele. Uma divisão entra
nesse mundo, entre a vida com a outra pessoa e um vazio do qual ela não
faz parte. No ciúme, o amante cai nesse vazio, e o mesmo ocorre com ela.
Quando a toma por posse, ele se renova. Em tudo o que acontece entre os
amantes, a criação luta contra a destruição. Portanto, não é surpreendente
que haja uma hesitação, um senso de natureza proibida disso que é tão