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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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a vida moral e, para os cristãos, a ocorrência mais vívida do sagrado é a

Eucaristia, que comemora o autossacrifício supremo do próprio Deus pelo

bem da humanidade. É a partir disso que aprendemos o caminho do perdão.

A aliança exige que cada pessoa honre suas obrigações e receba os seus

direitos. Mas ninguém tem direito ao perdão, e ninguém, no esquema da

aliança, é obrigado a oferecê-lo. Quando ele vem, o perdão chega como um

dom, um presente. É verdade que esse dom deve ser merecido. Mas isso

ocorre por penitência, pela contrição e pela expiação — atos que não podem

ser termos de um contrato, mas que, por si mesmos, devem ser dados se são

para reparar a falha acontecida. É dessa maneira que o momento de perdoar

leva à conclusão o processo que observamos na quase loucura de Abraão

em relação àquilo que estavam lhe pedindo para fazer. É o momento do

reconhecimento mútuo, quando duas pessoas deixam de lado o seu

ressentimento em favor de uma troca de doações.

Há uma distinção antiga na teologia cristã entre natureza e graça. Sem

examinar os argumentos intrincados que giram ao redor dessa distinção,

refiro-me, em vez disso, às minhas sugestões, feitas no último parágrafo, e

que indicam que as coisas necessárias à vida espiritual são dons,

apresentados a nós quando nos oferecemos. O sagrado nos chega quando,

no meio de todos os nossos cálculos, deixamos de lado a ordem da aliança e

vemos o mundo, a nós mesmos e a tudo o que nos foi dado como sinais da

graça de Deus, segundo as palavras dos cristãos.

É por isso que devemos ir além da ênfase de Girard na violência

sacrificial. Entre os momentos sagrados, o que ocorre de mais importante

são aqueles instantes em que a ideia de doar ultrapassa essa violência. Por

exemplo: há o momento de apaixonar-se. O amante experimenta a si mesmo

como alguém dependente do ser do outro e ligado a ele. Uma divisão entra

nesse mundo, entre a vida com a outra pessoa e um vazio do qual ela não

faz parte. No ciúme, o amante cai nesse vazio, e o mesmo ocorre com ela.

Quando a toma por posse, ele se renova. Em tudo o que acontece entre os

amantes, a criação luta contra a destruição. Portanto, não é surpreendente

que haja uma hesitação, um senso de natureza proibida disso que é tão

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