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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Retornemos por um momento à discussão sobre o sacrifício no capítulo

1. A etimologia da palavra “sacrifício” — sacrum facere, realizar o sagrado

— tem um significado considerável, como Douglas Hedley apontou em seu

interessante livro sobre esse tema. e Nos tempos antigos, os sacrifícios eram

concebidos como formas de “realizar o sagrado”, e a implicação disso era

que éramos nós que dávamos a santidade ao mundo, através das coisas que

fazíamos. A mesma implicação está contida no verbo “consagrar”. É claro

que assumimos que os deuses também participam disso: a consagração de

um templo é também a invocação de um deus que está para habitar ali. No

entanto, a implicação permanece no fato de que, por meio dos nossos atos, o

sagrado vem ao mundo. E, nas sociedades pagãs, o mais importante desses

atos era o ato de sacrifício.

Segundo René Girard, a forma primeva de sacrifício é o assassinato

coletivo de uma vítima, cuja morte é sentida como a libertação dos conflitos

“miméticos” da comunidade e que ganha sua santidade ao renovar a coesão

da tribo. Como sugeri no capítulo 1, essa teoria não explica de fato a

qualidade sagrada da vítima sacrificial nem nos diz o que o termo “sagrado”

significa realmente. Sugiro que, se sacrifícios desse tipo têm um significado

religioso, é por revelarem a aniquilação. A tribo se reúne na janela para

observar como a luz do ser é extinta na criatura que é levada ao vazio. O

que é significativo não é o efeito terapêutico, mas sim o espetáculo, no qual

o ser e o nada estão contidos dentro da vítima. Isso me parece ser a única

maneira pela qual o sagrado pode ser sugerido por tal evento.

Porém, concebido dessa forma, o sagrado é pura abstração — uma

experiência de assombro sem mediação diante do rosto do nada. Ela precisa

ser ultrapassada, aufgehoben: esse seria o raciocínio de Hegel, e eu

concordo com ele. Assim, tenho outro “mito de origem” em que esboço os

dois “momentos” seguintes que devemos ultrapassar, na passagem do

sacrifício à santidade: o momento do doar e o momento do perdoar.

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