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um mundo de objetos. Mas nos dirigimos a elas como sujeitos, cada um
com sua perspectiva distinta sobre o mundo, e cada um se dirigindo ao
mundo a partir do seu próprio horizonte. Há um mistério que nos vincula ao
sujeito, apesar de não se tratar de um mistério que pode ser resolvido pelo
dualismo ontológico dos cartesianos. Esse mistério é o da “presença
verdadeira”. Como pode essa coisa que não é uma coisa, e sim uma
perspectiva, aparecer no mundo dos objetos onde não ocupa lugar nenhum?
Como pode nós não nos dirigirmos apenas ao outro, mas nos encontrarmos
verdadeiramente com ele no mundo empírico? A resposta é sugerida pelo
fato de que cada um de nós mostra o rosto dessa pessoa neste mesmo
mundo, e o rosto, apesar de aparecer no mundo dos objetos, pertence
essencialmente ao sujeito.
Discuti esse assunto em O rosto de Deus, e aqui faço um resumo de
algumas teses defendidas por extenso naquele livro. Argumento que o
conceito do rosto pertence aos mesmos conceitos de liberdade e de
responsabilidade que fazem parte da compreensão interpessoal do mundo.
Isto é, ao ver um conjunto de traços como um rosto, eu não o compreendo
biologicamente, como a película visível que protege um cérebro e permite,
por meio dos olhos e dos ouvidos, que a informação seja processada por
esse órgão. Eu o compreendo como a presença verdadeira no nosso mundo
compartilhado de você.
Meu rosto é também aquela parte de mim para a qual os outros dirigem
a sua atenção, toda vez que se dirigem a mim como “você”. Eu estou atrás
do meu rosto e, ainda assim, estou presente nele, falando e olhando em um
mundo de outras pessoas que, por sua vez, estão tão reveladas e disfarçadas
quanto eu. Meu rosto é uma fronteira, um pórtico de passagem, um lugar
onde eu apareço como o monarca aparece no balcão do palácio. (Não à toa,
Dante, no seu Convívio, descreve os olhos e a boca como “balcões da
alma”.) Portanto, meu rosto está ligado ao pathos da minha condição. Em
um certo sentido, você está sempre mais ciente do que eu posso estar e do
que eu sou dentro deste mundo; e quando confronto o meu próprio rosto,
pode ocorrer um momento de medo, pois tento encaixar a pessoa que eu