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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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da música. Estamos lidando com uma metáfora entrincheirada — mas não

uma metáfora de palavras, mais exatamente, pois não estamos falando sobre

como as pessoas descrevem a música; estamos falando sobre como elas a

experimentam. É como se houvesse uma metáfora do espaço e do

movimento incorporada dentro da nossa experiência e cognição da música.

Essa metáfora não pode ser “traduzida”, e o que ela diz não pode ser dita na

linguagem da física — por exemplo, ao falar das afinações e dos timbres

dos sons no espaço físico. Ainda assim, o que ela descreve — o movimento

musical — é uma presença verdadeira — e não apenas para mim, mas para

qualquer um com um ouvido musical.

Nada há de misterioso aqui se admitirmos o tipo de dualismo cognitivo

que defendo. Nem deve nos surpreender que os termos que aplicamos na

música a colocam firmemente na arena da vida pessoal. Ela se movimenta

enquanto nós nos movemos, com motivos para o que ela faz e um senso de

propósito (que, a qualquer momento, pode evaporar, como qualquer

propósito de uma pessoa). Ela é a aparição externa de uma vida interior, por

assim dizer, e apesar de ser escutada e jamais vista, é ouvida como a voz é

escutada, e compreendida como o rosto — como a revelação de uma

subjetividade livre. Contudo, ao contrário de nós, a música cria o espaço

onde se movimenta. E esse espaço é ordenado por campos de força que

parecem ser radiados pelas notas ocorridas dentro deles.

Vejamos o acorde, talvez a mais misteriosa de todas as entidades

musicais. Nem toda a coleção de notas cria um acorde — nem mesmo se

elas são notas que fazem parte da mesma tríade consoante. (Como, nas

“Hóstias” da Grande messe des morts [Grande missa dos mortos], de

Berlioz, em que uma tríade de si bemol menor tocada pelas flautas é

separada por quatro oitavas do si bemol tocado pelos trombones, e este

último si bemol parece não pertencer de forma alguma ao acorde, apesar de

fundamental.) Na maioria da música moderna, não escutamos os acordes,

mas apenas as “simultaneidades”, sons de diferentes afinações e de timbres

que acontecem de coincidirem, mas entre cada uma deles há um espaço

vazio — em geral, um espaço assombrado, como nas obras atonais de

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