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da música. Estamos lidando com uma metáfora entrincheirada — mas não
uma metáfora de palavras, mais exatamente, pois não estamos falando sobre
como as pessoas descrevem a música; estamos falando sobre como elas a
experimentam. É como se houvesse uma metáfora do espaço e do
movimento incorporada dentro da nossa experiência e cognição da música.
Essa metáfora não pode ser “traduzida”, e o que ela diz não pode ser dita na
linguagem da física — por exemplo, ao falar das afinações e dos timbres
dos sons no espaço físico. Ainda assim, o que ela descreve — o movimento
musical — é uma presença verdadeira — e não apenas para mim, mas para
qualquer um com um ouvido musical.
Nada há de misterioso aqui se admitirmos o tipo de dualismo cognitivo
que defendo. Nem deve nos surpreender que os termos que aplicamos na
música a colocam firmemente na arena da vida pessoal. Ela se movimenta
enquanto nós nos movemos, com motivos para o que ela faz e um senso de
propósito (que, a qualquer momento, pode evaporar, como qualquer
propósito de uma pessoa). Ela é a aparição externa de uma vida interior, por
assim dizer, e apesar de ser escutada e jamais vista, é ouvida como a voz é
escutada, e compreendida como o rosto — como a revelação de uma
subjetividade livre. Contudo, ao contrário de nós, a música cria o espaço
onde se movimenta. E esse espaço é ordenado por campos de força que
parecem ser radiados pelas notas ocorridas dentro deles.
Vejamos o acorde, talvez a mais misteriosa de todas as entidades
musicais. Nem toda a coleção de notas cria um acorde — nem mesmo se
elas são notas que fazem parte da mesma tríade consoante. (Como, nas
“Hóstias” da Grande messe des morts [Grande missa dos mortos], de
Berlioz, em que uma tríade de si bemol menor tocada pelas flautas é
separada por quatro oitavas do si bemol tocado pelos trombones, e este
último si bemol parece não pertencer de forma alguma ao acorde, apesar de
fundamental.) Na maioria da música moderna, não escutamos os acordes,
mas apenas as “simultaneidades”, sons de diferentes afinações e de timbres
que acontecem de coincidirem, mas entre cada uma deles há um espaço
vazio — em geral, um espaço assombrado, como nas obras atonais de