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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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hoje, as igrejas se preocupam com a competição que existe entre o mistério

sacrificial e a clareza da doutrina. O primeiro exige palavras antigas e ritos

solenes, nos quais a ideia de sacrifício é dramatizada, mas não explicada. A

segunda exige novos sermões e explicações seculares, nas quais o

receptáculo da liturgia fica cheio de furos, e assim o seu conteúdo se

derrama pelo chão.

A relação dialética entre o ritual e a doutrina, cada um corrigindo e

aperfeiçoando a outra, nunca teve um exemplo tão claro como a religião

judaica. A antiga religião dos israelitas surgiu dos encontros intensos com o

sagrado que estava profundamente mergulhado na memória do povo e na

tradição oral, e que eram incorporados firmemente em uma nova visão

teológica. De acordo com essa visão, o Deus de Israel é o Deus único,

criador do mundo, que é movido em tudo o que faz por severas exigências

morais, exigindo obediência e dando ao seu povo escolhido aquilo que ele

não deu a mais ninguém, que seria a lei — a Torá. Essa lei não é apenas

uma variação da moralidade. É também o resumo daquelas experiências

profundas com o sagrado através das quais os israelitas perceberam a sua

exclusão, algo que foi depois entendido como a indicação de que Deus os

observava atentamente, olhando por eles e finalmente escolhendo-os.

Por isso os judeus ortodoxos de hoje — aqueles que observam a si

mesmos como cumpridores estritos da halakhah (o caminho ordenado pela

lei) — são vinculados intensamente a rituais, que orientam suas vidas em

detalhes minuciosos, a respeito de como se vestir, como comer, como falar,

como praticar cerimônias, quando comer e o que fazer durante o dia e assim

por diante. Muitas dessas cerimônias repetem os episódios da Bíblia. Por

exemplo, o Seder, ou a ceia da Páscoa, reconta de forma elaborada os

eventos que giram em torno da libertação dos judeus no Egito. Sua bela

litania pergunta uma série de questões, começando com “por que esta noite

é diferente de todas as outras noites?”. Ela ilustra assim três características

importantes dos rituais judaicos: a primeira é que eles são (em sua maioria)

assuntos privados, a serem realizados em casa; a segunda (e conectada com

a primeira) é que não envolvem qualquer espécie de padre ou mediador

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