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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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máscara era o rosto do deus, ressoando no palco com a voz do sofrimento

humano e soando no mistério do culto como uma alegria divina e

ditirâmbica.

É interessante notar que a palavra “pessoa”, emprestada para exprimir

todos aqueles aspectos do ser humano associados com a consciência da

primeira pessoa, vem originalmente do teatro romano, no qual o termo

persona denotava a máscara usada pelo ator e, por isso, pelo personagem

interpretado. b Ao tomar emprestado essa palavra, a lei romana queria dizer

que, em certo sentido, estamos sempre mascarados diante de um

julgamento. Como Sir Ernest Barker escreveu: “Não é o Ego natural que

entra em uma corte da lei. É uma pessoa que tem direitos e deveres, criados

pela lei, que se apresenta diante dela.” c Tal como a pessoa, o rosto é tanto

um produto como a produção de um julgamento. Isso sugere um

pensamento ao qual retornarei — o de que a condição de ser uma pessoa,

como a obrigação, é trazida à vida por meio do uso desse mesmo conceito.

Devemos reconhecer também que o uso das máscaras não ocorre apenas

no teatro. Existem sociedades — sendo que a mais singular é a de Veneza

— onde as máscaras e os disfarces adquiriram funções complexas que as

trazem ao centro da vida pública, tornando-se itens indispensáveis de

vestuário, sem os quais as pessoas se sentem nuas, indecentes ou

deslocadas. No carnaval veneziano, a máscara tradicionalmente servia a

dois propósitos: cancelar a identidade cotidiana da pessoa e também criar

uma nova identidade em seu lugar — uma identidade concedida pelo outro.

Assim como no teatro, a máscara usa a expressão projetada nela pela

audiência, no carnaval ela adquire a personalidade de todas as pessoas que

estão ao seu redor. Portanto, longe de isolar as pessoas umas das outras, o

ato coletivo de se mascarar faz com que cada um seja produto do interesse

dos outros: o momento do carnaval transforma-se na forma mais elevada de

“efervescência social”, para usar a significativa expressão de Durkheim. E

talvez as nossas interações cotidianas sejam mais “carnavalescas” do que

queremos acreditar, o resultado de um imaginar criativo e constante de que

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