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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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uma expressão de sentimentos sobre ela que todos nós conhecemos. Talvez

seja uma ninharia próxima do melodramático, mas ela nos dá um senso de

uma calamidade sombria e irreversível. Podemos pensar que isso é o que

seria a morte, se é que ela parece ser alguma coisa. É a morte sendo vista

não como um evento na ordem da natureza, mas como a aresta impenetrável

do Lebenswelt — o nosso isolamento final em um lugar onde apenas as

memórias impotentes podem nos alcançar do mundo dos vivos.

A peça de Rachmaninoff não é uma tentativa de descrever a ilha de

Böcklin: como a música poderia fazer tal coisa? As rochas, os ciprestes

sombrios, as bocas das tumbas, a estranha luz de um sol que desaparece em

algum horizonte invisível — como tais coisas podem encontrar sua

corporificação no som? A música pode capturar o movimento do barco, sem

dúvida, pois eis um movimento que também ouvimos na melodia. Mas é

precisamente essa a conexão que permite Rachmaninoff fazer uma música

que tenha vida própria. Ele constrói a primeira parte inteira da peça em uma

espécie de movimentação circular assimétrica em uma divisão 5/4 — duas

batidas seguidas por três, às vezes invertendo o ritmo para que as três

batidas sejam seguidas por duas. Sobre isso, constrói um tema solene em

notas consecutivas que gradualmente tomam conta de toda a orquestra,

engolindo a única tríade em lá menor para uma espécie de cadáver inchado

de si mesma. A harmonia muda para um ré menor, e um chamado vazio

feito pelos trompetes responde como se fosse uma memória evanescente da

vida. Então, um rompante de cordas intensamente diminuídas feito de

violinos e instrumentos de sopros levantam voo como pássaros espantados

que saem das harmonias dos metais, similares às pedras. Tudo isso é

maravilhosamente evocativo e nos aponta para contextos nos quais esses

recursos foram feitos para tornar os pensamentos e os eventos cada vez

mais precisos, para depois a citação das primeiras quatro notas do “Dies

Irae” reiterar essas mesmas conexões. Mas nada é realmente descrito, e

alguém poderia seguir o argumento musical e jamais experimentar o poder

evocador da música do modo como indiquei.

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