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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Logo, me parece que seria razoável atribuir qualidades morais à música

instrumental. Mas também não podemos ficar contrariados à sugestão de

que a música pode alcançar uma espécie de autoridade emocional atribuída

a Shakespeare e Racine — aquela síntese clara de uma possibilidade moral,

que também é uma defesa da vida humana. As grandes obras de música

envolvem um argumento musical em larga escala. Elas se arriscam nas

dificuldades e nos julgamentos, testam o seu material, por assim dizer, e

mostram que os elementos melódicos, harmônicos e rítmicos podem ser

aperfeiçoados por tentativas. É exatamente isso que acontece com o

“Quarteto em dó sustenido menor” de Beethoven. Na própria abertura dessa

peça, você pode ouvir a segunda aumentada da escala menor harmônica —

que vai do si sustenido para o lá natural — apresentado como o gesto

central em um assunto de fuga. O intervalo parece ter um enorme peso

meditativo, como uma mão que se estende diante de um juiz. (Veja

novamente no ex. 4.) O intervalo retorna constantemente enquanto o

raciocínio musical se desenvolve, o emoldura e se move com ele, até que,

no último movimento, está melodicamente sereno, aquela mesma mão

apoiando o coração. A intensidade aqui não é a de uma declaração, mas a de

um estado de espírito, um modo de alcançar o mundo, o qual atribuímos a

nenhum sujeito específico e nos conectamos sem um objeto específico, mas

que, sem dúvida, desperta compaixão. Ouvimos nesse gesto um modo

aberto e virtuoso de se relacionar com o mundo.

Destacamos as grandes obras de arte em geral, e, em particular, as

grandes obras da música, porque elas fazem uma diferença em nossas vidas.

Elas nos concedem uma insinuação da profundidade e do valor das coisas.

Grandes obras de arte são a cura para a nossa solidão metafísica. Mesmo se

a mensagem delas não der conforto algum, como a nona e a décima

sinfonias de Mahler, ou a sexta de Tchaikovski, é um desconforto que nos

conforta, por assim dizer, a prova para o ouvinte atormentado de que ele

não está sozinho.

Se eu estiver certo, então apreciar música envolve um tipo de

movimento pleno de compaixão que se dirige para fora. Na música, assim

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