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Logo, me parece que seria razoável atribuir qualidades morais à música
instrumental. Mas também não podemos ficar contrariados à sugestão de
que a música pode alcançar uma espécie de autoridade emocional atribuída
a Shakespeare e Racine — aquela síntese clara de uma possibilidade moral,
que também é uma defesa da vida humana. As grandes obras de música
envolvem um argumento musical em larga escala. Elas se arriscam nas
dificuldades e nos julgamentos, testam o seu material, por assim dizer, e
mostram que os elementos melódicos, harmônicos e rítmicos podem ser
aperfeiçoados por tentativas. É exatamente isso que acontece com o
“Quarteto em dó sustenido menor” de Beethoven. Na própria abertura dessa
peça, você pode ouvir a segunda aumentada da escala menor harmônica —
que vai do si sustenido para o lá natural — apresentado como o gesto
central em um assunto de fuga. O intervalo parece ter um enorme peso
meditativo, como uma mão que se estende diante de um juiz. (Veja
novamente no ex. 4.) O intervalo retorna constantemente enquanto o
raciocínio musical se desenvolve, o emoldura e se move com ele, até que,
no último movimento, está melodicamente sereno, aquela mesma mão
apoiando o coração. A intensidade aqui não é a de uma declaração, mas a de
um estado de espírito, um modo de alcançar o mundo, o qual atribuímos a
nenhum sujeito específico e nos conectamos sem um objeto específico, mas
que, sem dúvida, desperta compaixão. Ouvimos nesse gesto um modo
aberto e virtuoso de se relacionar com o mundo.
Destacamos as grandes obras de arte em geral, e, em particular, as
grandes obras da música, porque elas fazem uma diferença em nossas vidas.
Elas nos concedem uma insinuação da profundidade e do valor das coisas.
Grandes obras de arte são a cura para a nossa solidão metafísica. Mesmo se
a mensagem delas não der conforto algum, como a nona e a décima
sinfonias de Mahler, ou a sexta de Tchaikovski, é um desconforto que nos
conforta, por assim dizer, a prova para o ouvinte atormentado de que ele
não está sozinho.
Se eu estiver certo, então apreciar música envolve um tipo de
movimento pleno de compaixão que se dirige para fora. Na música, assim