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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Muitos que se dizem agnósticos ou mesmo ateus vivem a vida da fé, ou

algo semelhante — numa atitude de abertura em direção a significados,

reconhecendo os momentos sacramentais, e agradecendo, ao seu modo, pelo

dom do mundo. Contudo, não abraçam nenhuma religião. Então, que

diferença a religião faz na vida das pessoas?

O coração da religião é o ritual, e é uma marca dela o fato de os rituais

serem meticulosos. A palavra errada, o gesto errado, o modo errado de se

dirigir ao deus — todos esses desvios não são apenas erros, mas

profanações. Eles desfazem o feitiço ao mudar o que era compreendido

como uma necessidade em algo arbitrário e improvisado. O adorador que

faz isso individualmente se permite ter suas próprias palavras e suas

próprias preces particulares. Mas, mesmo assim, ao renovar sua relação

com Deus nas palavras sussurradas do pensamento, ele precisa de

orientação. Daí o alívio oferecido a todas as religiões aos seus devotos, na

forma de preces e horas pré-arranjadas, lugares de oração, e outras “janelas

para o transcendente” onde podem fazer uma pausa da vida agitada e

procurar pela salvação. Para os cristãos, o Pai-Nosso, a Ave Maria e outros

extratos da nossa relação com o divino são os talismãs que nos confortam e

que carregam a plena autoridade sobre a religião da qual eles surgem. Os

judeus, os muçulmanos e os hindus compartilham essa experiência, e os

judeus ortodoxos levam as suas preces em amuletos que ligam as palavras

sagradas aos seus corpos, como se a influência deles pudesse passar do

papel à carne.

As liturgias da religião envolvem uma conjuração de coisas ausentes e

uma tentativa de santificar a vida da comunidade, alçando-a do reino da

natureza e dotando-a de uma espécie de necessidade razoável. Elas falam de

coisas antigas e imutáveis, de coisas herdadas de ancestrais reverenciados,

de histórias que transformam as palavras e os símbolos dos ritos em

obrigações. Na liturgia, tocamos os nossos ancestrais, a quem nos dirigimos

não no passado, mas no eterno presente, que é o mesmo deles. Portanto,

apesar dos rituais existirem em uma espécie de seleção natural e serem

adaptados conforme o tempo, a congregação jamais os recebe como meras

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