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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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O mundo decaído

As queixas de Arqueanassa contra a arquitetura moderna surgem de um

mito de origem que coloca o templo consagrado no coração da cidade: o

templo é o local do olhar de Deus. Possui essa característica ao se erguer e

ao incitar a conversação, ao habitar o seu espaço como uma esfera de

liberdade e, ao repudiar as exigências oficiosas da mera utilidade,

anunciando a sua existência como um fim em si mesmo. Por contraste, as

novas formas de arquitetura não fazem qualquer referência às origens

sagradas da cidade, ao tratar os edifícios como instrumentos, da mesma

forma que fazemos com os seres humanos. E certamente não é irrealista

fazer uma conexão entre esses dois desenvolvimentos. Caímos no hábito de

ver tudo, incluindo a nós mesmos, como uma coisa que deve ser usada e

explorada, e é nisso que consiste a nossa queda. Minha discussão no

capítulo anterior ligava esse hábito “à ética da contaminação e do tabu”,

como os antropólogos costumam descrever. Existe, nos assuntos humanos,

uma tentação primordial de tratar as pessoas como coisas e a alma

corporificada tão somente como um corpo. Esse costume de “desfigurar” o

outro pode ser muito bem uma adaptação que vem do ponto de vista

evolucionista; mas, do ponto de vista da religião, é também uma

profanação. Como argumentei anteriormente, a tentação de olhar os outros

como objetos é o que queremos dizer ou que deveríamos dizer por pecado

original. Aqui segue o que escrevi:

A árvore do conhecimento que causou a queda do mundo… nos deu o conhecimento de nós

mesmos como objetos — caímos do domínio da subjetividade para o mundo dos objetos.

Aprendemos a nos olhar como objetos, e a nos esquecermos do rosto e de tudo aquilo que ele

representa. Perdemos aquilo que nos era mais precioso, que é o véu imaculado do Lebenswelt,

estendendo-se de horizonte a horizonte através da matéria escura da qual todas as coisas,

incluindo nós mesmos, são compostas.

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