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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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uma arte do puro som, ou então “formas que se movimentam na

sonoridade”, como assim coloca Hanslick? Por exemplo, pessoas que

querem vincular quadros, histórias e personagens à Arte da fuga parecem a

nós não ter entendido o seu significado — sua presença monumental no

mundo dos tons, ficando acima e além do mundo humano em um trono

sereno de autoridade.

Existem duas respostas para isso que merecem refutações. A primeira é

dizer que a música pode, por assim dizer, emprestar a sua “tematicidade”.

Até mesmo a música puramente instrumental pode adquirir um assunto por

si mesmo, e ninguém tem a mínima dificuldade em ouvir títulos como

“Blown Away Leaves”, “Vltava”, “The Lark Ascending”, “La Mer” como

apropriados para as peças que as nomeiam. A segunda resposta é afirmar

que a música pode imitar os nossos estados de espírito, ultrapassando a sua

intencionalidade específica e reproduzindo suas propriedades dinâmicas —

portanto, extraindo de nós um senso vívido de ser na presença das emoções,

cuja precisão dos objetos não é necessária ser definida para que depois

sintamos a sua força gravitacional. A música compartilha os aspectos

morais e emocionais dos seres humanos, e seu sentido está justamente nesse

fato.

Essas duas respostas se propõem resolver o mistério do significado

musical enquanto, na verdade, meramente nos distraem dele. Em resposta à

primeira, vamos tomar o exemplo — o grande poema orquestral de

Rachmaninoff que tem o título de “A ilha dos mortos”, inspirado pela

conhecida pintura (ou melhor, série de pinturas) feita por Arnold Böcklin.

Um relato ingênuo dessa peça musical nos diz que se trata de uma descrição

feita em tons e acordes sobre o mesmo assunto que Böcklin mostra na sua

tela em óleo. Mas isso seria se enganar sobre o que o título diz. O quadro de

Böcklin mostra uma ilha sepulcral, localizada em um mar tranquilo,

iluminado pela luz do crepúsculo, e visitado por uma figura encapuzada de

quem foi apagada qualquer individualidade. A figura está de pé diante de

um barco remado por uma outra pessoa que claramente não pertence a esse

lugar de onde não há retorno. O quadro não é uma descrição da morte, mas

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