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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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intimamente ao conceito a partir do qual se inicia a narrativa, que é o

conceito do sujeito como a característica definidora da condição humana, e

a característica à qual se deve o mistério do mundo.

Contido nesse conceito está aquilo que chamo de “intencionalidade

excessiva de atitudes interpessoais”. Em todas as nossas reações ao outro,

seja de amor ou ódio, afeição ou desprezo, aprovação ou desaprovação,

fúria ou desejo, nós olhamos para dentro do outro, em busca daquele

horizonte inatingível do qual ele ou ela se dirige a nós. Somos animais que

nadam na corrente da casualidade, que se relacionam um com o outro no

espaço e no tempo. Mas, no encontro eu-você, não vemos um ao outro

dessa maneira. Cada objeto humano é também um sujeito, se dirigindo a

nós com olhares, gestos e palavras, do horizonte transcendental do “eu”.

Nossas respostas aos outros se dirigem para aquele horizonte, indo além do

corpo para o ser que ele encarna. É essa característica das nossas respostas

interpessoais que dá tamanha força ao mito da alma, do verdadeiro, porém

oculto, self que está coberto pela carne. E é por isso que nossas reações

interpessoais se desenvolvem de uma determinada maneira: vemos um ao

outro como embrulhados por essas reações, por assim dizer, e nos

abraçamos para nos responsabilizarmos por elas como se tivessem sido

concebidas ex nihilo a partir do centro unificado do self. Você pode dizer

que, quando nos vemos dessa forma, estamos dando crédito a uma doutrina

metafísica, talvez até mesmo a um mito metafísico. Mas não se trata da

doutrina de Descartes sobre a substância da alma, nem obviamente de um

mito. Além disso, uma doutrina entronizada nas nossas emoções pessoais

mais básicas, que não pode ser eliminada sem solapar a relação eu-você

sobre a qual depende a nossa compreensão da primeira pessoa, não pode ser

rejeitada como um erro simples. Ela tem algo do prestígio que Kant atribui

à unidade original da consciência — o status de uma pressuposição do

nosso pensamento, incluindo o pensamento que pode nos levar a duvidar

dela. De fato, a compreensão desse assunto, a aderência a essa

pressuposição e a prática que vem dela é justamente o que significa a

liberdade transcendental de Kant.

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