06.08.2020 Views

A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

conservadorismo filosofia política

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

uma outra ordem do ser do que aquela em que nossas vidas estão

aprisionadas: uma ordem de pura compaixão entre os sujeitos, sem o

estorvo de um mundo objetivo. O inútil espaço da música é, nas palavras de

Rilke, um lar divino. Portanto, oferece um ícone da experiência religiosa

que eu descreverei somente no capítulo final deste livro.

Naquele exemplo do que foi chamado de “música absoluta”, não há

como concluir a descrição da sua “tematicidade”. É sobre nada em

particular, ou sobre tudo em geral, dependendo do modo como você a

encara. Não há uma história específica sobre a vida humana que seria a

história do “Quarteto em Dó Sustenido Menor”, de Beethoven. Mas, de

alguma maneira, toda a vida humana está ali. Essa música não é apenas uma

forma intrincada que é aprazível de se ouvir: ela contém uma alma, e essa

mesma alma se dirige a nós com o mais sério dos tons. Não existem opções

fáceis ou emoções falsas, não existe nenhuma insinceridade nessa música,

nem ela tolera essas coisas em você. De algum modo, ela nos aponta o

exemplo de uma vida mais ampla, o convidando a viver e sentir de um

modo mais puro, para que você se liberte dos fingimentos do dia a dia. É

por isso que ela parece falar com tamanha autoridade: a música nos convida

a um outro mundo, muito superior, um mundo onde a vida encontra a sua

realização e a sua meta. E o meu modo de abordar esse ponto é dizer que tal

música é pura “tematicidade” — ao apresentar nem sujeito nem objeto, mas

a intencionalidade pura e etérea, o ato de tensionar em si mesmo, em seu

próprio espaço metafísico. Aqueles filósofos reducionistas que pensam que

não há tal coisa como “tematicidade” devem, portanto, negar a existência da

música. O mundo deles contém sons, mas nenhuma melodia, assim como

contém cérebros, mas nenhuma pessoa.

Contudo, se colocarmos assim, a música parece ser mais misteriosa do

que é. Sabemos que ela é expressiva, e essa é toda a diferença no mundo

entre os instrumentistas que tocam a peça musical com compaixão, dentro

de sua atmosfera emocional, e os instrumentistas que não transmitem tal

impressão. Executar tal música com entendimento é estar de acordo com a

sua “tematicidade”: é ouvir em seu movimento um personagem que você

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!