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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Você pode muito bem dizer que essa peça expressa uma emoção

próxima daquilo que foi exprimido pelo quadro de Böcklin — e que eles

exibem o que poderíamos chamar de similaridade expressiva ou até mesmo

uma identidade expressiva. Mas suponha que alguém não entenda nada

disso — que ele negue o fato de que a música lhe evocou algo similar aos

sentimentos também evocados pelo quadro de Böcklin. Isso ocorre porque

ele não compreendeu a música? Você pode querer dizer que ele não

entendeu alguma coisa dela. Mas suponha também que esse mesmo sujeito

seguiu atentamente o movimento musical, e que o modo impressionante

como o material esparso foi desenvolvido até um clímax que é puramente

musical e no qual não há nenhum equivalente no próprio quadro. Seria isso

sinal de compreensão musical? E, pelo contrário, suponha que alguém

perceba todas as referências à morte, faça todas as conexões com o quadro

de Böcklin, mas seja incapaz de seguir o argumento musical, se perca no

ritmo, não sinta o impulso musical enquanto este se dirige ao clímax — não

deveríamos dizer que ele não entendeu a peça?

O ponto a que quero chegar é o seguinte: se o significado da peça de

Rachmaninoff está em parte nos pensamentos e nos sentimentos expressos

em direção ao objeto que chegou ao nosso espírito pelo quadro de Böcklin,

então o entendimento da peça musical deve envolver a recuperação desses

mesmos pensamentos e sentimentos. Mas pareceria que podemos entendê-la

como música sem qualquer recuperação mental desse tipo. Da mesma

forma, podemos ter uma boa ideia dos pensamentos e dos sentimentos que

Rachmaninoff procura desenvolver, sem a compreensão do argumento

musical. Devemos relembrar aqui o hábito no século XIX, em conjunto com

A. B. Marx, de alinhar os programas narrativos às sinfonias e às sonatas de

Beethoven. Essas narrativas estão agora esquecidas ou revistas apenas com

um tom de ridículo: pensamos nelas como as descrições das fantasias

particulares dos seus autores, mas jamais no significado público da obra.

É inegável que aplicamos termos que denotam emoção e personalidade à

música: eu acabei de fazer isso ao descrever a nossa experiência com

Rachmaninoff. É uma música triste, alegre, amarga, hesitante, nobre,

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