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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Esse modo de se expressar, bem característico do século XVIII, leva a

equívocos sobre o assunto, uma vez que a palavra “gosto” agora é usada

para descrever as nossas preferências mais arbitrárias sobre o que comemos

e o que bebemos. Isso é mais bem articulado em termos de um caráter

normativo das escolhas estéticas. Os nossos juízos estéticos comuns se

preocupam com o que é certo e com o que é errado, o que é adequado e o

que é harmonioso, o que parece e o que soa apropriado. Ao vestir-se para

uma festa, ao arrumar uma mesa, decorar uma sala e por aí vai, tudo tem

como objetivo a aparência correta, e o deleite que vem disso é inseparável

do juízo de como tudo deveria ser. Há aqui uma relação interna entre a

preferência e o julgamento. Logo, gostemos ou não (e hoje em dia a maioria

das pessoas não gosta), nos tornamos responsáveis por outros seres

racionais por causa das nossas escolhas estéticas. Por meio dessas mesmas

escolhas, estamos criando presenças no mundo dos outros; e o que eles

pensam do resultado é parte de como isso é importante tanto para eles como

para nós. O que não significa que podemos encontrar motivos para as

nossas escolhas, e menos ainda que podemos achar motivos justificadores.

Mas estamos, de alguma forma, comprometidos com a existência desses

motivos, e a arte da crítica consiste em descobrir caminhos para eles.

Nem Kant nem Hume surgiram com um argumento que poderia

sustentar essa procura pelo “padrão do gosto”, apesar de ambos terem algo

interessante e extenso a dizer sobre o assunto. Mas acredito que o fenômeno

parece ser menos misterioso se olharmos para ele como algo que vem da

relação eu-você e da nossa tendência intrínseca em direção à

responsabilização. O juízo estético é um elemento fundamental na atitude

descrita pelos românticos alemães como Heimkehr — o voltar para casa. Ao

projetar os nossos arredores, estamos os trazendo para a esfera da

responsabilização com os outros e de sua responsabilização em relação a

nós. E nesse sentido damos um rosto ao mundo. Desfiguramos o mundo

quando rabiscamos “meu” por todo ele, e convidamos os outros a fazerem o

mesmo. A beleza é o rosto da comunidade, e a feiura é o ataque a esse

mesmo rosto feito pelo solipsista e pelo devorador de cadáveres.

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