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Esse modo de se expressar, bem característico do século XVIII, leva a
equívocos sobre o assunto, uma vez que a palavra “gosto” agora é usada
para descrever as nossas preferências mais arbitrárias sobre o que comemos
e o que bebemos. Isso é mais bem articulado em termos de um caráter
normativo das escolhas estéticas. Os nossos juízos estéticos comuns se
preocupam com o que é certo e com o que é errado, o que é adequado e o
que é harmonioso, o que parece e o que soa apropriado. Ao vestir-se para
uma festa, ao arrumar uma mesa, decorar uma sala e por aí vai, tudo tem
como objetivo a aparência correta, e o deleite que vem disso é inseparável
do juízo de como tudo deveria ser. Há aqui uma relação interna entre a
preferência e o julgamento. Logo, gostemos ou não (e hoje em dia a maioria
das pessoas não gosta), nos tornamos responsáveis por outros seres
racionais por causa das nossas escolhas estéticas. Por meio dessas mesmas
escolhas, estamos criando presenças no mundo dos outros; e o que eles
pensam do resultado é parte de como isso é importante tanto para eles como
para nós. O que não significa que podemos encontrar motivos para as
nossas escolhas, e menos ainda que podemos achar motivos justificadores.
Mas estamos, de alguma forma, comprometidos com a existência desses
motivos, e a arte da crítica consiste em descobrir caminhos para eles.
Nem Kant nem Hume surgiram com um argumento que poderia
sustentar essa procura pelo “padrão do gosto”, apesar de ambos terem algo
interessante e extenso a dizer sobre o assunto. Mas acredito que o fenômeno
parece ser menos misterioso se olharmos para ele como algo que vem da
relação eu-você e da nossa tendência intrínseca em direção à
responsabilização. O juízo estético é um elemento fundamental na atitude
descrita pelos românticos alemães como Heimkehr — o voltar para casa. Ao
projetar os nossos arredores, estamos os trazendo para a esfera da
responsabilização com os outros e de sua responsabilização em relação a
nós. E nesse sentido damos um rosto ao mundo. Desfiguramos o mundo
quando rabiscamos “meu” por todo ele, e convidamos os outros a fazerem o
mesmo. A beleza é o rosto da comunidade, e a feiura é o ataque a esse
mesmo rosto feito pelo solipsista e pelo devorador de cadáveres.