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grandes obras da música instrumental na nossa tradição, que demanda uma
espécie de entrega, um reconhecimento da sua autoridade. Até mesmo uma
peça abstrata e repleta de nuances arquitetônicas como A arte da fuga fala
com essa mesma autoridade, dizendo-lhe que você não será mais a mesma
pessoa que era quando terminar de ouvi-la.
Podemos entender esse tipo de afirmação? A palavra “profundo” é usada
de várias maneiras, todas ligadas por cadeias de analogia e paronímia aos
exemplos centrais de lagos, rios e oceanos. o É um sussurro profundo e
intenso aquilo que Shakespeare fala sobre “Teu pai está a cinco braças”
[Full fathom five thy father lies] ao nos lembrar do lugar do repouso final do
pai que mora no coração de cada um. É um gesto profundo de Wagner
começar o seu ciclo do Anel com um silencioso mi bemol, o menor limite
da voz humana, que mostra a transição do ser a se tornar ser, assim que as
vozes harmônicas se espalham pelas águas do céu. Usamos a palavra
“profundo” sobre sussurros e pessoas; sobre gestos e emoções; sobre o que
observamos e o que olhamos. Por que negar o uso desse termo ao crítico de
música? Peter Kivy escreveu muito, em seus escritos mais recentes, a
respeito do fato de que a música não fala sobre coisas, como a linguagem
faz, e, portanto, não pode dizer coisas profundas, do mesmo modo que
fazem as obras literárias. p Mas não devemos nos irritar com o raciocínio de
Kivy. Ao descrevermos uma peça musical como profunda, estamos
descrevendo a sua personalidade, e a personalidade de uma obra de música
é algo que escutamos nela, e a qual reagimos quando temos compaixão.
Você pode ver personalidade em um rosto, um olhar ou um gesto. E pode
ouvi-la no tom de uma voz. E assim também pode ouvi-la na própria
música.
A profundidade, tanto na música como nas pessoas, é o oposto da
superficialidade. Um tema superficial pode se tornar o assunto de um
profundo exame musical (as Variações Diabelli, de Beethoven), assim
como um tema intenso pode ser desenvolvido de maneira superficial (as
Variações serieuses, de Mendelssohn). Uma obra pode iniciar de um tema