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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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grandes obras da música instrumental na nossa tradição, que demanda uma

espécie de entrega, um reconhecimento da sua autoridade. Até mesmo uma

peça abstrata e repleta de nuances arquitetônicas como A arte da fuga fala

com essa mesma autoridade, dizendo-lhe que você não será mais a mesma

pessoa que era quando terminar de ouvi-la.

Podemos entender esse tipo de afirmação? A palavra “profundo” é usada

de várias maneiras, todas ligadas por cadeias de analogia e paronímia aos

exemplos centrais de lagos, rios e oceanos. o É um sussurro profundo e

intenso aquilo que Shakespeare fala sobre “Teu pai está a cinco braças”

[Full fathom five thy father lies] ao nos lembrar do lugar do repouso final do

pai que mora no coração de cada um. É um gesto profundo de Wagner

começar o seu ciclo do Anel com um silencioso mi bemol, o menor limite

da voz humana, que mostra a transição do ser a se tornar ser, assim que as

vozes harmônicas se espalham pelas águas do céu. Usamos a palavra

“profundo” sobre sussurros e pessoas; sobre gestos e emoções; sobre o que

observamos e o que olhamos. Por que negar o uso desse termo ao crítico de

música? Peter Kivy escreveu muito, em seus escritos mais recentes, a

respeito do fato de que a música não fala sobre coisas, como a linguagem

faz, e, portanto, não pode dizer coisas profundas, do mesmo modo que

fazem as obras literárias. p Mas não devemos nos irritar com o raciocínio de

Kivy. Ao descrevermos uma peça musical como profunda, estamos

descrevendo a sua personalidade, e a personalidade de uma obra de música

é algo que escutamos nela, e a qual reagimos quando temos compaixão.

Você pode ver personalidade em um rosto, um olhar ou um gesto. E pode

ouvi-la no tom de uma voz. E assim também pode ouvi-la na própria

música.

A profundidade, tanto na música como nas pessoas, é o oposto da

superficialidade. Um tema superficial pode se tornar o assunto de um

profundo exame musical (as Variações Diabelli, de Beethoven), assim

como um tema intenso pode ser desenvolvido de maneira superficial (as

Variações serieuses, de Mendelssohn). Uma obra pode iniciar de um tema

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