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vida e do comportamento que observamos, mas também não é reduzido a
eles. Uma vez que a personalidade emergiu, é possível relacioná-la a um
organismo de uma nova maneira — a maneira das relações pessoais (da
mesma maneira que podemos nos relacionar com a música de formas que
não podemos nos relacionar com algo que meramente escutamos igual a
uma sequência de sons — por exemplo, podemos dançar ao ouvi-la). Com
essa nova ordem de relação surge uma nova ordem de compreensão, na qual
os motivos e os significados, e não as causas, procuram uma resposta para a
questão “por quê?”. Com as pessoas, estamos em um diálogo: nós as
chamamos para justificar sua conduta diante dos nossos olhos, assim como
devemos nos justificar diante do olhar delas. O que é fundamental nesse
diálogo é a característica da autopercepção. Isso não significa que as
pessoas são realmente um self que se esconde dentro dos seus corpos.
Significa que o seu próprio modo de descrição de si mesmas é algo
privilegiado, e não pode ser desprezado como mera “psicologia popular”
que, com o tempo, originará uma neurociência apropriada.
Esse ponto apoia o raciocínio apresentado no capítulo anterior. Como
argumentei aqui, o dualismo cognitivo só faz sentido se a “prioridade
ontológica” está de acordo com a visão de mundo científica. O Lebenswelt
fica diante da ordem da natureza em uma relação de emergência, mas ela
não é reduzida a uma relação de um a um que ocorre entre seres
particulares. Não podemos dizer de um indivíduo identificado de uma
maneira que é o mesmo indivíduo que foi identificado de outra. Não
podemos dizer “uma coisa, duas concepções”, uma vez que isso faz surgir a
pergunta “que coisa”, que, por sua vez, levanta a seguinte pergunta: “em
que concepção identificamos essa mesma coisa?” Spinoza observou esse
tópico, e, portanto, eliminou completamente o conceito da “coisa” da sua
ontologia, reformulando o conceito de substância como um nome para o
todo do mundo. Não existem “substâncias individuais” na concepção de
realidade em Spinoza.
Podemos ver claramente o problema no exemplo das pessoas, pois aqui,
se digo uma coisa, duas concepções, e depois pergunto que coisa, a resposta